REFLEXÕES DO COMANDANTE-EM-CHEFE

 

O império e a ilha independente

 

A história de Cuba nos últimos 140 anos é a da luta em favor da salvaguarda da identidade e da independência nacionais, e a história da evolução do império dos Estados Unidos, sua constante pretensão de se apropriar de Cuba e os métodos horrendos que utiliza atualmente para manter o domínio do mundo.

 

Destacados historiadores cubanos têm tratado com profundidade estes temas em diferentes épocas e em diversos e excelentes livros que merecem estar ao alcance de nossos compatriotas. Estas reflexões vão dirigidas especialmente às novas gerações com o objetivo de que conheçam fatos muito importantes e decisivos no destino de nossa pátria.

 

Primeira parte: A imposição da Emenda Platt como apêndice da Constituição neocolonial cubana de 1901.

 

A “doutrina da fruta madura” foi formulada em 1823 por John Quincy Adams, Secretário de Estado e mais tarde Presidente. Os Estados Unidos conseguiram inevitavelmente, pela lei de gravitação política, apoderar-se do nosso país quando acabou a subordinação colonial à Espanha.

 

Sob o pretexto da explosão do navio “Maine” — fato que ainda não foi esclarecido, aproveitado para desatar a guerra contra a Espanha, mesmo como o incidente do Golfo de Tonkin fato que pelo contrário foi pré-fabricado aos efeitos de atacar o Vietnã do Norte —, o presidente William McKinley assinou a Resolução Conjunta em 20 de abril de 1898, a qual declarava “... que o povo de Cuba é e por direito deve ser livre e independente”, “... que os Estados Unidos por intermédio da presente declaram não ter vontade nem intenção de exercer soberania, jurisdição ou domínio sobre esta Ilha, exceto para sua pacificação, e assevera sua determinação, quando a mesma seja atingida, de entregar o governo e o domínio da Ilha a seu povo”. A Resolução Conjunta autorizou o Presidente a usar a força para eliminar o governo espanhol em Cuba.

 

O coronel Leonard Wood, chefe principal do regimento dos Rough Riders, e Theodore Roosevelt, segundo chefe dos voluntários expansionistas que desembarcaram em nosso país pelas praias próximas a Santiago de Cuba, já destruída pelos couraçados norte-americanos a valente, porém mal utilizada esquadra espanhola e o corpo de fuzileiros navais que levava a bordo, solicitaram o apoio dos insurretos cubanos, que a custa de enormes sacrifícios desgastaram e venceram o exército colonial espanhol. O regimento dos Rough Riders desembarcou sem os cavalos.

 

Após a derrota espanhola, em 10 de dezembro de 1898, foi assinado o Tratado de Paris entre os representantes da Reina Regente da Espanha e os do Presidente dos Estados Unidos, no qual foi acordado, sem ter em conta o povo de Cuba, que a Espanha renunciava a todo direito de soberania e propriedade sobre a Ilha e a evacuaria. Cuba seria ocupada pelos Estados Unidos com caráter temporário.

 

Já nomeado governador militar norte-americano e Major-General do Exército, Leonard Wood, ditou a Ordem 301 de 25 de julho de 1900, através da qual foi decretada a realização de eleições gerais para delegados à Assembléia Constituinte que deveria se reunir em Havana às doze horas da primeira segunda-feira do mês de novembro de 1900, com o objetivo de redigir e adotar uma Constituição para o povo de Cuba.

 

Em 15 de setembro de 1900 tiveram lugar as eleições, nas quais foram eleitos 31 delegados que representavam os partidos Nacional, Republicano e União Democrática. Em 5 de novembro de 1900 foi inaugurada a Convenção Constituinte no teatro Irijoa de Havana, ocasião em que recebeu o nome de teatro Martí.

 

O general Wood, em representação do Presidente dos Estados Unidos, declarou constituída a Assembléia. Wood antecipou-lhes os propósitos do governo dos Estados Unidos: “Quando formulem quais as relações que, segundo o seu parecer, devem existir entre Cuba e os Estados Unidos, o governo dos Estados Unidos adotará sem nenhuma dúvida as medidas que conduzam por seu lado a um acordo final e autorizado entre os povos de ambos os países, a fim de impulsionar o desenvolvimento de seus interesses comuns”.

 

A Constituição de 1901 dispôs em seu Artigo 2 que “fazem parte do território da República, a Ilha de Cuba, bem como as ilhas e ilhotas adjacentes que juntamente com ela encontravam-se sob a soberania da Espanha até que foi ratificado o Tratado de Paris de 10 de dezembro de 1898”.

 

Redigida a Constituição, chegou o momento de definir quais as relações políticas entre Cuba e os Estados Unidos. Para tais efeitos, em 12 de fevereiro de 1901 foi designada uma comissão de cinco membros encarregada de estudar e propor aquilo que correspondia conforme a finalidade expressa.

 

Em 15 de fevereiro o governador Wood convidou os membros da comissão a participarem de uma pescaria e ofereceu-lhes um banquete em Batabanó, rota principal de acesso à Ilha de Pinos, como era conhecida, nessa altura também ocupada pelas tropas dos Estados Unidos que participaram da Guerra de Independência de Cuba. No próprio Batabanó informou-lhes a respeito de uma carta do Secretário da Guerra, Elihu Root, que continha os aspectos fundamentais da futura Emenda Platt. Segundo as instruções recebidas de Washington, as relações entre Cuba e os Estados Unidos deviam ser reguladas através de vários aspectos. O quinto deles expressava que, para facilitar aos Estados Unidos o cumprimento de deveres tais como os que incidiriam neles devido às estipulações já expressas, e para sua própria defesa, os Estados Unidos poderiam adquirir título, e conservá-lo, de terrenos para estações navais e mantê-las em certos pontos específicos.

 

Quando a Convenção Constituinte cubana teve conhecimento das condições exigidas pelo governo dos Estados Unidos, aprovou, em 27 de fevereiro de 1901, uma posição contraria à do Executivo norte-americano, na qual ficava eliminado o estabelecimento de estações navais.

 

O governo dos Estados Unidos acordou com o senador republicano de Connecticut, Orville H. Platt, apresentar uma emenda ao projeto de Lei de Orçamento do Exército que tornaria em fato consumado o estabelecimento em solo cubano de bases navais norte-americanas.

 

Na Emenda, aprovada pelo Senado dos Estados Unidos em 27 de fevereiro de 1901, pela Câmara de Representantes em 1 de março, e sancionada no dia seguinte pelo presidente McKinley, como anexo à “Lei concedendo créditos para o Exército no ano fiscal que termina em 30 de junho de 1902”, o artigo sobre as bases navais ficou redigido da forma seguinte:

 

“Artigo VII.- Para pôr os Estados Unidos em condições de manter a independência de Cuba e proteger o povo da mesma, bem como para sua própria defesa, o Governo de Cuba venderá ou arrendará aos Estados Unidos as terras necessárias para estabelecer carvoeiras ou estações navais em certos pontos escolhidos de comum acordo com o Presidente dos Estados Unidos.”

 

No artigo VIII acrescenta-se: “O governo de Cuba inserirá as disposições anteriores num tratado permanente com os Estados Unidos”.

 

A rápida aprovação da Emenda pelo Congresso dos Estados Unidos obedecia à circunstância de que em breve acabaria o período legislativo do mesmo e que o presidente McKinley contava com maioria segura em ambas as Câmaras para que fosse aprovada sem dificuldades. Já era Lei dos Estados Unidos quando, em 4 de março, McKinley tomou posse de seu segundo período presidencial.

 

Alguns membros da Convenção Constituinte mantiveram a tese de que não tinham a faculdade de aprovar a Emenda solicitada pelos Estados Unidos, visto que isso implicava limitar a independência e a soberania da República de Cuba. Foi então que o governador militar Leonard Wood apressou-se a ditar uma nova Ordem Militar, em 12 de março de 1901, na qual se declarava que a Convenção tinha a faculdade de decidir quais as medidas de cuja constitucionalidade duvidava-se.

 

Outros membros da Convenção, como Manuel Sanguily, opinaram que a Assembléia devia ser dissolvida antes de acordarem medidas que dessa maneira ofendiam a dignidade e a soberania do povo de Cuba. Contudo na sessão de 7 de março de 1901 foi nomeada novamente uma comissão para que redigisse uma resposta ao governador Wood, sendo Juan Gualberto Gómez o encarregado da redação do texto, o qual propôs rejeitar, entre outras, a cláusula concernente ao arrendamento de estações navais ou carvoeiras.

 

Juan Gualberto Gómez manteve a crítica mais severa à Emenda Platt. Em 1 de abril submeteu à discussão um texto onde refutava o documento por transgredir os princípios do Tratado de Paris e da Resolução Conjunta. Mas a Convenção suspendeu o debate do texto de Juan Gualberto Gómez e decidiu enviar mais outra comissão para “conhecer quais as intenções e os propósitos do governo dos Estados Unidos a respeito dos pormenores que façam referência ao estabelecimento de uma ordem definitiva de relações, no político e no econômico, entre Cuba e os Estados Unidos, e junto com o próprio governo assentar as bases de um acordo sobre esses extremos que serão propostas à Convenção para sua resolução final”.

 

Posteriormente, foi eleita a comissão que viajou a Washington integrada por Domingo Méndez Capote, Diego Tamayo, Pedro González LLorente, Rafael Portuondo Tamayo e Pedro Betancourt, os quais chegaram aos Estados Unidos em 24 de abril de 1901. No dia seguinte foram recebidos por Root e Wood, quem viajou com antecedência a seu país com esse propósito.

 

O governo norte-americano apressou-se a declarar publicamente que a comissão visitaria Washington por iniciativa sua, sem nenhum convite e sem caráter oficial.

 

O Secretário da Guerra, Root, recebeu a comissão nos dias 25 e 26 de abril de 1901 e lhe informou de maneira categórica que “o direito dos Estados Unidos a impor as discutidas cláusulas foi proclamado durante três quartos de século ante o mundo americano e europeu e que não estavam dispostos a renunciar a isso ao extremo de pôr em perigo sua própria segurança”.

 

Os funcionários estadunidenses reiteraram que nenhuma das cláusulas da Emenda Platt minimizava a soberania e a independência de Cuba, tudo o contrário, preservá-la-ia, e ficava esclarecido que somente interviriam caso tiverem lugar graves perturbações, com o único objetivo de manter a ordem e a paz interna.

 

A comissão apresentou seu relatório em sessão secreta em 7 de maio de 1901. Dentro da comissão houve  sérias discrepâncias a respeito da Emenda Platt.

 

Em 28 de maio foi submetido à discussão o texto redigido por Villuendas, Tamayo e Quesada, no qual era aceite a Emenda com alguns esclarecimentos e recomendando a criação de um tratado de reciprocidade comercial.

 

Este texto foi aprovado por 15 votos a favor e 14 contra; contudo o governo dos Estados Unidos não admitiu essa solução, comunicando por intermédio do governador Wood que só aceitaria a Emenda sem qualificação, e advertiu à Convenção em forma de ultimato que, sendo a Emenda Platt “um estatuto acordado pelo Poder Legislativo dos Estados Unidos, o Presidente é obrigado a executá-lo tal qual. Não pode alterá-lo, nem modificá-lo, também não acrescentar-lhe ou tirar-lhe. A ação executiva que pede o estatuto é a retirada de Cuba do Exército norte-americano, e o estatuto autoriza esta ação quando — e somente quando — fique estabelecido um governo sob uma Constituição que contenha, seja lá em seu corpo ou em seu apêndice, certas disposições terminantes, especificadas no estatuto [...] Se então ele encontrar essas disposições na Constituição, estará autorizado para retirar o Exército; se não as encontrar ali, então, não está autorizado para retirar o Exército...”

 

O Secretário da Guerra dos Estados Unidos enviou uma carta à Constituinte cubana onde expressava que a Emenda Platt devia ser aprovada em sua totalidade sem nenhum esclarecimento, porque desta maneira aparecia acrescentada à Lei norte-americana de orçamento, e salientava que, caso contrário, as forças militares de seu país não seriam retiradas de Cuba.

 

Em 12 de junho de 1901, noutra sessão secreta da Assembléia Constituinte, foi submetida à votação a incorporação da Emenda Platt como apêndice à Constituição da República, aprovada em 21 de fevereiro: 16 delegados votaram a favor e 11 votaram contra. Estiveram ausentes nessa sessão, Bravo Correoso, Robau, Gener e Rius Rivera, abstendo-se de votarem a favor daquele engendro.

 

O pior da Emenda foram a hipocrisia, o engano, o maquiavelismo e o cinismo com que elaboraram o plano para se apoderar de Cuba, até ao cúmulo de proclamar publicamente os mesmos argumentos de John Quincy Adams em 1823, a respeito da maçã que cairia por gravidade. Esta maçã caiu finalmente, mas estava podre, como previram muitos pensadores cubanos durante quase meio século, desde José Martí na década de 1880 até Julio Antonio Mella, assassinado em janeiro de 1929.

 

Ninguém melhor do que o próprio Leonard Wood poderia descrever o que significava para Cuba a Emenda Platt. Em dois fragmentos da carta confidencial, datada em 28 de outubro de 1901, enviada a seu companheiro de aventura Theodore Roosevelt expressa,:

 

“É lógico que a Cuba lhe foi deixada muito pouca ou nenhuma independência com a Emenda Platt e o único indicado agora é buscar uma anexação. Isto, não obstante, precisará de algum tempo e durante o período no qual Cuba mantenha seu próprio governo, é muito desejado que seja um que trabalhe em favor de seu progresso e de sua melhora. Não pode fazer certos tratados sem nosso consentimento, nem pedir emprestado mais além de certos limites e deve manter as condições sanitárias que lhe foram preceituadas, por tudo o qual fica bem evidenciado que está totalmente em nossas mãos e acho que não há governo europeu que a considere por um momento outra coisa salvo o que é, uma verdadeira dependência dos Estados Unidos, e como tal é merecedora de nossa consideração.“ ... “Com o controle que sem dúvidas daqui a pouco virará possessão, em breve teremos praticamente o controle do comércio de açúcar no mundo. A ilha se americanizará aos poucos e, no seu devido tempo, contaremos com uma das mais ricas e desejadas colônias que existam no mundo...”

 

 

Segunda parte: A aplicação da Emenda Platt e o estabelecimento da Base Naval em Guantanámo como quadro  das relações entre Cuba e os Estados Unidos.

 

No fim de 1901 começou o processo eleitoral no qual a candidatura de Tomás Estrada Palma conseguiu o triunfo sem oposição e contando com o apoio de 47 por cento do eleitorado. O Presidente eleito em ausência partiu dos Estados Unidos rumo a Cuba em 17 de abril de 1902 e chegou três dias depois. A mudança de poderes teve lugar em 20 de maio de 1902 às 12 horas. Já tinha sido constituído o Congresso da República. Leonard Wood viajou para seu país no couraçado “Brooklyn”.

 

Em 1902, pouco antes de ser proclamada a República, o governo norte-americano informou ao recém eleito Presidente da Ilha sobre os quatro lugares selecionados para estabelecer as estações navais — Cienfuegos, Bahia Honda, Guantánamo e Nipe — previstas pela Emenda Platt. Também o porto de Havana foi considerado nada menos que como “o lugar mais vantajoso para a quarta estação naval”.

 

Desde um inicio, apesar de sua origem espúria, o Governo de Cuba, no qual participavam muitos daqueles que lutaram pela independência, se opôs à concessão de quatro bases navais, porque considerava que duas eram mais que suficiente. A situação tornou-se mais tensa quando o governo cubano endureceu suas posições e exigiu a elaboração final do Tratado Permanente de Relações, com o fim de “determinar ao mesmo tempo e não por partes, todos os pormenores que foram objeto da Emenda Platt e fixar o alcance de seus preceitos”.

 

O presidente McKinley morreu no dia 14 de setembro de 1901 em conseqüência dos disparos recebidos no dia 6 do próprio mês. Theodore Roosevelt ascendeu tanto em sua carreira política que já era vice-presidente dos Estados Unidos, razão pela qual assumiu a presidência após os disparos mortais que recebeu o seu antecessor. Naquela altura a Roosevelt não lhe convinha precisar o alcance da Emenda Platt visando não demorar a instalação militar da Base em Guantánamo, por sua significação para a defesa do Canal –iniciado e depois abandonado por a França no Istmo centro-americano- que o governo voraz do império projetava concluir a qualquer preço. Também não lhe interessava definir a situação legal da Ilha de Pinos Foi por isso que diminuiu de maneira abrupta o número de bases navais em discussão, retirou a sugestão do porto de Havana e finalmente foi acordada a concessão de duas bases: Guantánamo e Bahia Honda.

 

Posteriormente, cumprindo o Artigo VII do apêndice constitucional imposto à Convenção Constituinte, foi assinado o Convênio pelos Presidentes de Cuba e dos Estados Unidos em 16 e 23 de fevereiro de 1903, respectivamente:

 

Artigo I.- “Através da presente a República de Cuba arrenda aos Estados Unidos, pelo tempo que as necessitar e com o objetivo de estabelecer nelas estações carvoeiras ou navais, as extensões de terra e de água localizadas na Ilha de Cuba que a seguir são descritas:

 

“1. Em Guantánamo...” (aparece uma descrição completa da baía e do território adjacente.)

 

“2. Em Bahia Honda...” (também aparece uma descrição similar.)

 

Nesse Convênio fica estabelecido:

 

“Artigo III.- Se bem os Estados Unidos reconhecem por seu lado a continuação da soberania definitiva da República de Cuba sobre as extensões de terra e de água acima descritas, a República de Cuba aprova, por seu lado, que no período durante o qual os Estados Unidos ocupem essas áreas em conformidade com as estipulações deste convênio, os Estados Unidos exercerão jurisdição e senhorio completos sobre essas áreas com direito a adquirir para os fins públicos dos Estados Unidos qualquer terreno ou outra propriedade que façam parte das mesmas por compra ou expropriação forçosa indenizando totalmente seus possuidores.”

 

Em 28 de maio de 1903 começaram os trabalhos de medição para estabelecer os limites da estação naval de Guantánamo.

 

No Convênio de 2 de julho de 1903 sobre o tema foi aprovado o “Regulamento para o arrendamento das Estações Navais e Carvoeiras”:

 

“Artigo I.- Os Estados Unidos da América acordam e estipulam pagar à República de Cuba a soma anual de 2.000 pesos em moeda de ouro dos Estados Unidos durante o tempo que eles ocuparem e fazerem uso dessas áreas de terreno em virtude do mencionado Convênio.”

 

“Todos os terrenos de propriedade particular e outros bens imóveis compreendidos nessas áreas serão adquiridos sem demora pela República de Cuba. Os Estados Unidos aceitam fornecer à República de Cuba as quantidades necessárias para a compra desses terrenos e bens de propriedade particular, e a República de Cuba aceitará essas quantidades como pagamento adiantado por conta da renda devida em virtude desse Convênio.”

 

O Convênio que regulamentava esse arrendamento, firmado em Havana pelos representantes dos Presidentes de Cuba e dos Estados Unidos, respectivamente, foi aprovado pelo Senado de Cuba em 16 de julho de 1903, ratificado pelo Presidente de Cuba um mês mais tarde, em 16 de agosto, e pelo Presidente dos Estados Unidos em 2 de outubro, realizando-se a troca das ratificações em Washington em 6 de outubro, e foi publicado na gazeta de Cuba no dia 12 do mesmo mês e ano.

Em 14 de dezembro de 1903 foi informado que quatro dias antes, no dia 10 desse mês, os Estados Unidos tinham tomado posse das áreas de água e de terra para o estabelecimento em Guantánamo da estação naval.

 

Para o Governo e a Marinha dos Estados Unidos a passagem de parte do território da maior das Antilhas era motivo de regozijo, e tentou festeja-lo. Em Guantánamo reuniram-se com esse propósito navios da Esquadra do Caribe e alguns couraçados da Frota do Atlântico Norte.

 

O governo cubano designou o Chefe de Obras Públicas de Santiago de Cuba para que fizesse entrega daquela parte do território sobre o qual exercia teoricamente soberania em 10 de dezembro de 1903, data escolhida pelos Estados Unidos. Foi o único cubano que esteve presente na cerimônia e só por pouco tempo visto que, cumprida a missão, sem brinde nem apertões de mãos, viajou ao vizinho povoado de Caimanera.

 

O chefe de Obras Públicas tinha-se trasladado para o couraçado “Kearsage”, navio insígnia norte-americano, a bordo do qual se encontrava o contra-almirante Barker. Às 12 horas foram dados 21 tiros de canhão e com os acordes do Hino Nacional de Cuba foi arriada a bandeira cubana que estava içada nesse navio; imediatamente depois, em terra, foi içada a bandeira dos Estados Unidos com o mesmo número de salvas, no lugar chamado Playa del Este, finalizando desta maneira o ato.

 

Segundo o regulamento do Convênio, os Estados Unidos deviam dedicar exclusivamente as terras cedidas para uso público, não podendo estabelecer nelas comércios ou indústrias de nenhum tipo.

 

As autoridades dos Estados Unidos nesses territórios e as autoridades cubanas comprometeram-se mutuamente a entregar os fugitivos da justiça por delitos ou faltas sujeitos à jurisdição das leis de cada parte, sempre que fosse solicitado pelas autoridades da nação encarregada do julgamento.

 

Os materiais importados nas áreas dessas estações navais para o uso e consumo das mesmas estariam isentos do pagamento de direitos alfandegários, ou de outra classe qualquer, à República de Cuba.

 

O arrendamento das referidas estações navais incluía o direito de usar e ocupar as águas adjacentes a essas extensões de terra e de água, a melhorar e aprofundar as entradas das mesmas e de seus ancoradouros, e a tudo quanto fosse necessário para os usos exclusivos aos quais estavam dedicadas.

 

Ainda quando os Estados Unidos reconheciam a continuação da soberania definitiva de Cuba sobre aquelas extensões de água e terra, exerceriam, com o consentimento de Cuba, “jurisdição e senhorio completos” sobre essas áreas durante o tempo em que as ocupassem de acordo com as outras estipulações já mencionadas.

 

No chamado Tratado Permanente de 22 de maio de 1903, realizado entre os governos da República de Cuba e dos Estados Unidos, foram fixadas as relações futuras entre ambos os países: isto é, ficou assegurada aquilo que Manuel Márquez Sterling chamou “a submissão insuportável da Emenda Platt”.

 

O Tratado Permanente subscrito por ambos os países foi aprovado pelo Senado dos Estados Unidos em 22 de março de 1904 e pelo Senado cubano em 8 de junho do próprio ano, também foram trocadas as ratificações em Washington, em 1 de julho de 1904. Por isso, a Emenda Platt é uma emenda à uma lei norte-americana, um apêndice à Constituição de Cuba de 1901 e um tratado permanente entre ambos os países.

 

As experiências adquiridas com a Base Naval de Guantánamo serviram para aplicar no Panamá medidas iguais ou piores com o Canal.

 

No Congresso norte-americano o método das emendas introduzidas, quando é discutida uma lei que por seu conteúdo e importância é de impostergável necessidade, utiliza-se frequentemente obrigando os legisladores a deixar de lado ou sacrificar critérios discrepantes. Tais emendas têm lesado muitas vezes a soberania pela que luta incansavelmente o nosso povo.

 

Em 1912 o Secretário de Estado de Cuba, Manuel Sanguily, negociou com a chancelaria norte-americana um novo tratado através do qual os Estados Unidos renunciavam a seus direitos sobre Bahia Honda em troca de uma ampliação nos limites da estação de Guantánamo.

 

Nesse mesmo ano, quando teve lugar o levantamento do Partido dos Independentes de Cor, reprimido brutalmente pelo governo do presidente José Miguel Gómez  — do Partido Liberal —, saíram da Base Naval de Guantánamo tropas norte-americanas que ocuparam diferentes povoados da antiga província de Oriente, próximas às cidades de Guantánamo e Santiago de Cuba, com o pretexto de “proteger vidas e fazendas de cidadãos estadunidenses”.

 

Em 1917, por ocasião do levantamento conhecido por “ La Chambelona” em Oriente, levado a cabo por elementos do Partido Liberal opostos à fraude eleitoral que levou à reeleição o presidente Mario García Menocal, do Partido Conservador, destacamentos ianques procedentes da Base dirigiram-se a diversos pontos daquela província cubana, para o qual utilizaram como pretexto “a proteção do fornecimento de água à Base”.

 

Terceira parte: A derrogação formal da Emenda Platt e a permanência da Base Naval em Guantánamo.

 

 

Em 1933, a chegada ao poder da Administração democrata de Franklin Delano Roosevelt nos Estados Unidos abriu o caminho para uma necessária reacomodação das relações de dominação que esse país exercia sobre Cuba. A queda da tirania de Gerardo Machado sob a pressão de um poderoso movimento popular, e a posterior instalação de um governo provisório presidido pelo professor universitário de Fisiologia Ramón Grau San Martín, constituíram um sério obstáculo para a realização do programa que exigia o povo.

 

No dia 24 de novembro de 1933, o presidente Roosevelt dos Estados Unidos emitiu uma declaração oficial na qual alentou a conjura de batista e do Embaixador em Havana, Sumner Welles, contra o governo de Grau, que incluía a oferta de assinar um novo tratado comercial e derrogar a Emenda Platt. Roosevelt explicou que “... Seria bem-vindo qualquer Governo Provisório em Cuba no qual o povo cubano demonstre a sua confiança".  A impaciência da administração estadunidense por desembaraçar-se de Grau aumentava cada vez mais, pois desde meados de novembro acrescentou-se a influência no governo de um jovem lutador antiimperialista, Antonio Guiteras, quem semanas depois daria muitos de seus passos mais radicais. Era preciso derrocar rapidamente esse governo.

 

Em 13 de dezembro de 1933, o embaixador Sumner Welles retornou definitivamente a Washington, e foi substituído cinco dias mais tarde por Jefferson Caffery.

 

Durante os dias 13 e 14 de janeiro de 1934, Batista convocou e presidiu uma reunião militar em Columbia, na qual propôs destituir a Grau e nomear ao Coronel Carlos Mendieta e Montefur, o que foi acordado pela denominada Junta Militar de Columbia. Grau San Martín apresentou sua demissão na madrugada do dia 15 de janeiro de 1934 e embarcou rumo ao México, exilado, no dia 20 desse próprio mês. Então, Mendieta ficou instalado como presidente mediante golpe de Estado, em 18 de janeiro de 1934. Embora a administração de Mendieta fosse reconhecida pelos Estados Unidos no dia 23 de janeiro desse ano, como é conhecido, o embaixador Caffery e Batista dirigiam os destinos do país.

 

O derrocamento do referido governo provisório de Grau San Martín em janeiro de 1934, vítima de suas contradições internas e do arsenal de pressões, manobras e agressões que contra ele esgrimiram o imperialismo e os seus aliados nacionais, significou um primeiro e indispensável passo na imposição de uma alternativa oligárquico-imperialista como saída para a crise nacional cubana.

 

Ao governo presidido por Mendieta caberia a tarefa de reajustar os vínculos da dependência neocolonial do país.

 

Nem a oligarquia reinstalada no poder, nem o governo de Washington, estavam então em condições de ignorar o estado de ânimo do povo cubano no que diz respeito ao neocolonialismo e os seus instrumentos. Os Estados Unidos também não ignoravam a importância do respaldo dos governos da América Latina - Cuba entre eles - na já então previsível confrontação com outras potências imperialistas emergentes como a Alemanha e o Japão.

 

No processo que então se iniciava seriam estruturadas fórmulas para garantir o renovado funcionamento do sistema neocolonial. A política de "boa vizinhança" levava muito em conta a oposição latino-americana ao intervencionismo aberto que Washington tinha praticado no hemisfério. O objetivo da política de Roosevelt era obter uma nova imagem em suas relações continentais mediante a fórmula diplomática do “bom vizinho”.

 

Como uma das medidas de reajuste, no dia 29 de maio de 1934 assinou-se um novo Tratado de Relações cubano-norte-americano, modificando o tratado de 22 de maio de 1903, subscrito então por um outro Roosevelt, talvez de longínquo parentesco, o dos Cavaleiros Rudes, que desembarcou em Cuba.

 

Dois dias antes, em 27 de maio, às 10h30 da manhã, e na altura em que o embaixador dos Estados Unidos, Jefferson Caffery, se preparava para abandonar, como de costume, a sua residência de Alturas de Almendares, foi alvo de um atentado de três disparos realizado por vários desconhecidos desde um auto. Um dia depois, em 28 de maio, quando transitava ao meio dia pela Quinta Avenida do bairro de  Miramar, o auto que estava a serviço do primeiro secretário da embaixada dos Estados Unidos, H. Freeman Matthews, ao retornar, depois de deixar o diplomático na Embaixada foi assaltado por vários homens armados com metralhadoras que viajavam de carro. Um deles falando com o motorista, lhe pediu que comunicasse a Mattheus que tinha uma semana de prazo para abandonar Cuba; logo a seguir quebrou de um golpe o pára-brisa do carro e desapareceram rapidamente.

 

Estes atos revelavam um estado geral de hostilidade contra os Estados Unidos e puderam precipitar a assinatura do novo Tratado de Relações que colocou o suposto fim da impopular Emenda Platt.

 

O novo Tratado de Relações dispôs a supressão do direito de intervenção dos Estados Unidos em Cuba e que:

 

“A República de Cuba e os Estados Unidos da América, animados pelo desejo de fortalecer os laços de amizade entre os dois países e de modificar, com esse objetivo, as relações estabelecidas entre eles pelo Tratado de Relações assinado em Havana no dia 22 de maio de 1903, (...)  acordaram os artigos seguintes:

 

[...]

 

“Artigo 3.- Enquanto as duas partes contratantes não cheguem a um acordo sobre a modificação ou revogação das estipulações do Convênio assinado pelo Presidente da República de Cuba em 16 de fevereiro de 1903, e pelo Presidente dos Estados Unidos da América em 23 desse mesmo mês e ano, no que se refere ao arrendamento aos Estados Unidos da América dos terrenos em Cuba para estações carvoeiras ou navais, seguirão vigorando as estipulações desse Convênio no que respeita à estação naval de Guantánamo. Com respeito a essa estação naval seguirão também vigorando, as mesmas formas e condições, o acordo suplementar referente a estações navais e carvoeiras terminado entre os dois Governos  em 2 de julho de 1903. Enquanto os Estados Unidos da América não abandonarem a referida estação naval de Guántanamo ou enquanto os dois governos não acordarem uma modificação dos seus limites atuais, seguirá tendo a extensão territorial que agora ocupa, com os limites que possui na data da assinatura do presente Tratado.”

 

O Senado dos Estados Unidos ratificou o novo Tratado de Relações no dia 1º de junho de 1934, e Cuba, em 4 de junho. Cinco dias mais tarde, em 9 de junho, efetuo-se em Washington a troca das ratificações do Tratado de Relações de 29 de maio desse ano, com o que desapareceu formalmente a Emenda Platt, mas permaneceu a Base Naval em Guantánamo.

 

 

O novo Tratado legalizou a situação de fato em que se encontrava a estação naval em Guantánamo, pelo que se rescindia a parte dos convênios de 16 e 23 de fevereiro e de 2 de julho de 1903 entre os dois países referente aos terrenos e às águas em Bahia Honda, e se modificava, no sentido de ampliá-los, aquela referida às águas e terrenos na estação naval de Guantánamo.

 

Os Estados Unidos mantiveram a estação naval em Guantánamo como lugar estratégico de vigilância e resguardo para garantir o seu predomínio político e econômico sobre as Antilhas e a América Central e para a defesa do Canal do Panamá.

 

Quarta parte: A Base Naval de Guantánamo desde a desaparição formal da Emenda Platt até o Triunfo da Revolução.

 

Após a assinatura do Tratado de Relações de 1934, o território da “estação naval” foi fortificando-se e acondicionando-se aos poucos, até que na primavera de 1941, a Base ficou estabelecida como estação naval de operações sob a seguinte estrutura: estação naval, estação naval aérea e base do corpo de fuzileiros navais e de armazéns.

 

Em 6 de junho de 1934 o Senado dos Estados Unidos tinha aprovado uma lei através da qual a Secretaria da Marinha era autorizada a subscrever um contrato a longo prazo com uma empresa que se comprometia a fornecer adequadamente de água a Base Naval em Guantánamo, mas anteriormente existiam planos norte-americanos para a construção de um aqueduto que lhe fornecesse água vinda do rio Yateras.

 

A expansão continuou, e em 1943 foram construídas outras facilidades através de contratação com a empresa “Frederick Snare Co.” a qual contratou aproximadamente 9 mil operários civis, muitos deles cubanos.

 

Outro ano de desmedido trabalho de ampliação das instalações militares e civis da Base foi 1951. Em 1952, o Secretário de Marinha dos Estados Unidos decidiu mudar-lhe o nome de “U.S. Naval Operating  Base” pelo de “U.S. Naval Base”, e nessa altura já possuia uma estrutura que incluía o Centro de Treino.

 

A Constituição de 1940, a luta revolucionária e a Base Naval em Guantánamo, até dezembro de 1958.

 

O período decorrido do fim de 1937 até 1940 caracterizou-se, desde o ponto de vista político, pela adoção de medidas que permitiram a convocatória às eleições para a Assembléia Constituinte e sua realização. A razão pela qual Batista acedeu a estas medidas democratizadoras foi seu interesse em poder estabelecer fórmulas que lhe permitissem continuar sendo o centro das decisões políticas, garantindo desta maneira a continuidade de seu poder no novo ordenamento surgido sob as fórmulas instrumentadas por ele. Nos inícios de 1930 foi feito público o acordo de Batista e Grau de realizar uma Assembléia Constituinte. A Convenção Constituinte foi inaugurada em 9 de fevereiro de 1940 e terminou seus trabalhos em 8 de junho desse próprio ano.

 

A Constituição foi firmada em 1 de julho de 1940 e promulgada no dia 5 desse mês. A nova Lei de Leis estabeleceu que “o território da República é integrado pela Ilha de Cuba, a Ilha de Pinos e outras ilhas e ilhotas adjacentes que juntamente com elas estiveram sob a soberania da Espanha até a ratificação do Tratado de Paris em 10 de dezembro de 1898. A República de Cuba não concertará nem ratificará pactos ou tratados que em forma alguma limitem o menoscabem a soberania nacional ou a integridade do território”.

 

A oligarquia esforçou-se por impedir a materialização dos postulados mais avançados dessa Constituição ou pelo menos conseguir restringir ao máximo sua aplicação.

 

Quinta parte: A Base Naval em Guantánamo desde o Triunfo da Revolução.

 

Desde que triunfou a Revolução o Governo Revolucionário tem denunciado a ocupação ilegal dessa porção de nosso território.

 

Por outro lado, após o 1 de janeiro de 1959 os Estados Unidos converteram o território usurpado da Base Naval em Guantánamo em foco permanente de ameaça, provocação e violação da soberania de Cuba, com o propósito de criar-lhe dificuldades ao vitorioso processo revolucionário. Essa Base sempre tem estado presente nos planos e nas operações concebidas por Washington para derrocar o Governo Revolucionário.

 

Da Base Naval tem saído todo tipo de agressões:

 

 

 

 

 

 

Em 12 de janeiro de 1961 foi torturado barbaramente por soldados ianques na Base Naval em Guantánamo, pelo “delito” de ser revolucionário, o operário Manuel Prieto Gómez, que trabalhava ali havia mais de três anos.

 

Em 15 de outubro do mesmo ano, foi torturado e depois assassinado o operário cubano Rubén López Sabariego.

 

Em 24 de junho de 1962 foi assassinado pelos soldados da Base o pescador de Caimanera, Rodolfo Rosell Salas.

 

Igualmente, a pretendida tentativa de fabricar uma autoprovocação e desdobrar as tropas norte-americanas numa “justificada” invasão punitiva contra Cuba, em todo momento teve como elemento detonante a Base em Guantánamo. Exemplo disso foi uma das ações incluídas dentro da denominada “Operação Mangosta”, quando em 3 de setembro de 1962 soldados norte-americanos que se encontravam em Guantánamo deviam disparar contra os soldados cubanos de plantão.

 

Durante a Crise de Outubro, a base foi reforçada com técnica militar e soldados, aumentando o número destes últimos a mais de 16 mil fuzileiros navais. Perante a decisão do Primeiro-Ministro soviético Nikita Jruschov de retirar de Cuba os mísseis nucleares sem consultar nem informar com antecedência o Governo Revolucionário, Cuba ratificou a firme posição da Revolução nos denominados “Cinco Pontos”. No quinto exigia-se a retirada da Base naval de Guantánamo. Estivemos à beira de uma guerra termonuclear, na qual seriamos o primeiro alvo como conseqüência da política imperial de apoderar-se de Cuba.

 

Em 11 de fevereiro de 1964 o presidente Lyndon B. Johnson reduziu  o pessoal cubano que trabalhava na Base a 700 trabalhadores aproximadamente. Também confiscaram fundos acumulados de pensão de aposentadoria de centenas de operários cubanos que trabalharam na Base e suspenderam de maneira ilegal o pagamento das rendas aos operários cubanos aposentados.

 

Em 19 de julho de 1964, em grosseira provocação de guardas fronteiriços norte-americanos contra os postos de guarda das tropas cubanas de Guardafronteiras, foi assassinado impunemente o jovem soldado de 17 anos, Ramón López Peña, na casamata onde cumpria com seu turno de plantão.

 

Em circunstâncias similares, no dia 21 de maio de 1966, disparos vindos da Base mataram o soldado Luis Ramírez López.

 

Em apenas 21 dias do mês de maio de 1980, mais de 80 mil homens, 24 navios e quase 350 aviões de combate participaram nas manobras Solid Shield-80, que entre suas dinâmicas incluiu o desembarque na Base Naval de dois mil fuzileiros navais e o reforço dessa instalação com mais 1.220 soldados.

 

Em outubro de 1991, durante a realização do IV Congresso do PCC em Santiago de Cuba, aviões e helicópteros vindos da Base violaram o espaço aéreo cubano sobre a cidade.

 

Em 1994, a Base serviu de ponto de apoio para a invasão a Haiti: a aviação militar norte-americana utilizou os aeroportos desse enclave. Mas de 45 mil emigrados haitianos foram concentrados na Base em meados do ano seguinte.

 

Do mesmo modo, no ano 1994 teve lugar a conhecida crise migratória provocada pelo recrudescimento do bloqueio e pelos anos duros do período especial, pelo não cumprimento do Acordo Migratório de 1984 assinado com a Administração Reagan, pela considerável redução nos vistos acordados e pela incitação à imigração ilegal, incluída a Lei de ajuste Cubano, faturada pelo presidente Johnson há mais de 40 anos.

 

Como conseqüência da crise criada, uma declaração do presidente Clinton de 19 de agosto de 1994 fez com que a Base se convertesse num campo de concentração migratório para balseiros cubanos numa cifra próxima aos 30 mil.

 

Finalmente, em 9 de setembro de 1994 foi assinado um Comunicado Conjunto entre a administração de Clinton e o governo de Cuba, através do qual os Estados Unidos comprometeram-se a impedir a entrada a seu território dos emigrantes ilegais interceptados e a outorgar um mínimo de 20 mil vistos anuais para a reunificação familiar, os quais viajariam aos Estados Unidos por via segura.

 

Em 2 de maio de 1995, fazendo parte das negociações migratórias, os governos de Cuba e dos Estados Unidos acordaram adicionalmente aquilo que desta vez foi chamado de Declaração Conjunta, estabelecendo o procedimento para a devolução a Cuba de todos aqueles que continuassem tentando emigrar ilegalmente aos Estados Unidos e fossem interceptados pelos Guarda-costas norte-americanos.

 

Prestem atenção como a referencia relaciona-se só com os imigrantes ilegais interceptados pelos Guarda-costas. Ficavam estabelecidas as bases para um negócio sinistro: o tráfico de pessoas. A Lei Assassina manteve-se. Cuba seria o único país do mundo submetido a tal castigo. Entretanto aproximadamente 250 mil pessoas já viajaram por via segura sem o menor risco, e pelo contrário é incalculável o número de mulheres, crianças e pessoas de todas as idades que tem morrido no próspero tráfico de imigrantes.

 

A partir da crise migratória de 1994, por acordo de ambos os governos, começaram os encontros regulares entre os comandos militares de cada parte. Uma faixa do território semeada de minas às vezes ficava alagada devido às tormentas tropicais e aos rios desbordados. Não em poucas ocasiões nossos sapadores arriscaram suas vidas para salvar pessoas que atravessavam essa zona militar restrita por aqueles lugares, inclusive até com crianças.

 

Entre 1962 e 1996, tiveram lugar 8.288 violações principais desde a Base Naval em Guantánamo, incluídas 6.345 violações aéreas, 1.333 violações navais e 610 violações territoriais. Do total de violações, 7.755 registraram-se entre 1962 e 1971.

 

A Base Naval em Guantánamo após a promulgação da Lei Helms-Burton.

 

Esta Lei, assinada pelo presidente William Clinton em 12 de março de 1996, no Título II sobre a “assistência a uma Cuba livre e independente” a Secção 201 relacionada com a “política para um governo de transição e eleito democraticamente em Cuba”, estabelece em sua alínea 12 que os Estados Unidos devem “estar preparados para negociar com um governo eleito democraticamente em Cuba a devolução da Base Naval dos Estados Unidos em Guantánamo ou renegociar o acordo atual sob términos mutuamente convenientes”. Algo pior que aquilo do governador militar Leonard Wood, que junto a Theorore Roosevelt desembarcou a pé nas proximidades de Santiago de Cuba: a idéia de um anexionista de origem cubana administrando nosso país.

 

A guerra de Kosovo de 1999 provocou um grande número de refugiados kosovares. O Governo de Clinton, envolvido naquela guerra da NATO contra Serbia, decidiu utilizar a Base como albergue para um número deles, e nessa ocasião, pela primeira vez, sem nenhum tipo de consulta prévia como é habitual, comunicou a Cuba a decisão tomada. Nossa resposta foi construtiva. Embora opostos à injusta e ilegal contenda, não tínhamos razões para nos opor à ajuda humanitária que pudessem necessitar os refugiados kosovares. Oferecemos inclusive a cooperação de nosso país, se for necessário, para o atendimento médico ou qualquer outro serviço que necessitarem. Finalmente, os refugiados kosovares não foram enviados para a Base Naval em Guantánamo.

 

No manifesto “Juramento de Baraguá”, de 19 de fevereiro de 2000, foi expresso que: “no devido tempo, visto que não constitui objetivo prioritário neste instante embora seja justo e irrenunciável direito de nosso povo, o território ilegalmente ocupado de Guatánamo deve ser devolvido a Cuba!”. Naqueles tempos estávamos debruçados na luta pelo regresso do menino seqüestrado e as conseqüências econômicas do brutal bloqueio.

 

 

 

A Base Naval  em Guantánamo  após o 11 de setembro.

 

Em 18 de setembro de 2001, o presidente Bush assinou a legislação do Congresso dos Estados Unidos que autorizou o uso da força como resposta aos atentados de 11 de setembro. Bush tomou como base esta legislação para assinar, em 13 de novembro do próprio ano, uma Ordem Militar através da qual estabeleceu as bases jurídicas para as detenções e o julgamento por parte dos tribunais militares, como parte da “guerra contra o terrorismo”, de indivíduos que não possuiram a condição de cidadãos dos Estados Unidos.

 

Em 8 de janeiro de 2002 os Estados Unidos comunicaram oficialmente a Cuba que utilizariam a Base Naval em Guantánamo como centro de detenção de prisioneiros de guerra de Afeganistão.

 

Transcorridos três dias, em 11 de janeiro de 2002, chegaram os primeiros 20 prisioneiros até atingir a cifra de 776 de 48 países.  Nenhum destes dados, logicamente, foi mencionado. Supúnhamos que se tratava de prisioneiros de guerra afegãos. Os primeiros aviões aterravam cheios de prisioneiros, e muito mais custódios que prisioneiros. Nesse mesmo dia o Governo de Cuba emitiu uma declaração pública salientando sua disposição de cooperar com os serviços de atendimento médico que fossem necessários, com programas de saneamento e de luta contra vetores biológicos e pragas nas áreas sob nosso controle que se encontram nas redondezas da base, ou de qualquer outra forma útil, construtiva e humana que pudesse se apresentar. Lembro os dados porque participei pessoalmente em detalhes da redação da Nota apresentada pelo MINREX dando resposta à Nota norte-americana. Naquele momento ninguém poderia imaginar que o Governo dos Estados Unidos preparava-se para criar nessa base um horrível campo de tortura.

 

A Constituição Socialista proclamada em 24 de fevereiro de 1976 tinha estabelecido, na alínea c) de seu artigo 11 que “a República de Cuba repudia e considera ilegais ou nulos os tratados, pactos ou concessões concertados em condições de desigualdade ou que desconhecem o diminuem sua soberania e sua integridade territorial”.

 

Em 10 de junho de 2002, o povo de Cuba, num processo plebiscitário popular sem precedentes, ratificou o conteúdo socialista daquela Constituição de 1976 em resposta às manifestações de ingerência além de ofensivas do Presidente dos Estados Unidos, e solicitou à Assembléia Nacional do Poder Popular reformá-la para deixar consignado expressamente, entre outros aspectos, o princípio irrevogável que deve reger as relações econômicas, diplomáticas e políticas de nosso país com outros estados, ao acrescentar no mesmo Artigo 11, alínea c): “As relações econômicas, diplomáticas e políticas com qualquer outro Estado jamais poderão ser negociadas sob agressão, ameaça ou coerção de uma potência estrangeira.”

 

Após ser divulgado o Proclama ao povo de Cuba, em 31 de julho de 2006, as autoridades norte-americanas declararam que não desejam uma crise migratória, mas preparam-se de maneira preventiva para enfrentá-la, analisando o possível uso da Base naval em Guantánamo como acampamento de concentração dos emigrantes ilegais interceptados no mar. Em declarações públicas é informado que os Estados Unidos realizam ampliações das construções civis na Base, com o objetivo de aumentar sua capacidade de recepção de emigrantes ilegais.

 

Cuba, por seu lado, tomou todas as medidas possíveis para evitar incidentes entre as forças militares de ambos os países, e declarou que se circunscreve aos compromissos contidos na Declaração Conjunta sobre temas migratórios assinada junto com a administração Clinton. Por que tanta tagarelice, ameaça e barulho?

 

O pago simbólico anual de US$ 3,386.25 pelo arrendamento do território que ocupa a Base Naval em Guantánamo, manteve-se até 1972, quando a parte norte-americana decidiu reajustá-lo a US$ 3,676. Em 1973, o antigo dólar de ouro dos Estados Unidos foi novamente revalorizado, e por essa razão o cheque emitido pelo Departamento do Tesouro foi aumentado desde essa altura a US$ 4,085.00, anuais. Esse cheque é pago pela Marinha dos Estados Unidos, responsável operacional da Base Naval.

 

Os cheques que emite o Governo dos Estados Unidos, como pago pelo arrendamento, são dirigidos a favor do “Tesoureiro Geral da República de Cuba”, instituição e funcionário que há muitos anos deixaram de fazer parte da estrutura do Governo de Cuba, e são remitidos anualmente pela via diplomática. O correspondente ao ano 1959, por simples confusão foi convertido em receita nacional. Desde 1960 até hoje jamais se tem cobrado e ficam como constância de um arrendamento imposto durante mais de 107 anos. Imagino de uma maneira muito conservadora, que é dez vezes menos daquilo que gasta o governo dos Estados Unidos no salário anual de um professor.

 

Tanto a Emenda Platt como a base Naval em Guantánamo, sobravam. A história demonstra que em grande número de países deste hemisfério, onde não houve uma revolução como a nossa, a totalidade de seu território governado pelas multinacionais e pelas oligarquias não precisaram de nenhuma delas. De sua população mal preparada e pobre em sua maioria, ocupava-se a publicidade semeando reflexos.

 

Desde o ponto de vista militar um porta-aviões nuclear, abarrotado de velozes caça-bombardeiros e sua numerosa escolta, apoiado pela tecnologia e pelos satélites é várias vezes mais poderoso e pode deslocar-se para qualquer lugar do mundo, onde mais convenha ao império.

 

Necessitavam a Base para humilhar e fazer as coisas sujas que ali acontecem. Se há que esperar pelo derrubamento do sistema, esperá-lo-emos. Os sofrimentos e perigos serão grandes para toda a humanidade, mesmo como a atual crise das bolsas de valores, e um número crescente de pessoas prognostica-o. A espera de Cuba será sempre em alarme de combate.

 

Fidel Castro Ruz

14 de agosto de 2007

18h10