Mesa-redonda “Qual é a verdadeira democracia?”, realizada

nos estúdios da Televisão Cubana, em 28 de maio de 2002,

“Ano dos Heróis Prisioneiros do Império”.

 

(Versões taquigráficas – Conselho de Estado)

 

 

Randy Alonso – Muito boa tarde, caros telespectadores e ouvintes.

Em seu discurso de 20 de maio, em um auditório de Miami, o presidente norte-americano, George W. Bush, teve a desfaçatez e o despudor de falar de democracia, eleições livres e justas, transparência e observadores internacionais, como exigências que Cuba deveria satisfazer, ignorando os escândalos eleitorais de 2000 na Flórida, e desconhecendo o sistema democrático que nós os cubanos escolhemos.

Desenvolvemos, nesta tarde, a mesa-redonda “Qual é a verdadeira democracia?”, nem cujo painel me acompanham o companheiro José Luis Toledo, decano da Faculdade de Direito e Presidente da Comissão de Assuntos Jurídicos de nosso Parlamento; Rogelio Polanco, diretor do jornal Juventud Rebelde; Reinaldo Taladrid, jornalista do Sistema Informativo da Televisão Cubana; Francsica López Civeira, professora de História da Universidade de Havana e doutora nessa ciência; Miguel Álvarez, assessor do Presidente da Assembléia nacional do Poder Popular; Lázaro Barredo, jornalista do Jornal Trabajadores; Renato Recio, jornalista do mesmo órgão de imprensa; e Arnaldo Silva, professor titular de História da Universidade de Havana.

No estúdio, compartilham conosco esta tarde, como convidados, companheiros do Ministério de Economia e Planejamento e de seu Instituto de Planejamento Físico, do Ministério de Finanças, e combatentes do Ministério do Interior em Pinar del Río.

(Passam rápidas imagens sobre o tema.)

Randy Alonso – Quando o presidente Bush, neste 20 de maio, fazia um apelo ou exigia ao governo cubano desenvolver umas chamadas eleições livres, transparentes, sem fraude, em Miami, e nada menos que em Miami, todos nos lembramos das eleições, dos processos eleitorais e dos processos “democráticos” que reinaram em Cuba depois de 20 de maio de 1902, até o Primeiro de Janeiro de 1959.

Sobre as eleições e a democracia que nos deixou aquele 20 de maio de 1902, proponho-lhes começar esta mesa-redonda falando com a professora Francisca López.

Francisca López – Boa tarde.

Eu creio que seria bom começar a falar, pelas eleições do período de ocupação militar, porque, durante o período de ocupação militar norte-americano, ocorreram duas eleições municipais, as eleições para a Assembléia Constituinte e as eleições gerais.

Nestas eleições, que, ademais, foram com voto restringido – as eleições dirigidas pelo governo de ocupação militar foram eleições com voto restrito –, votavam pessoas com determinados requisitos e, portanto, não havia sufrágio universal, não havia possibilidade de que todos pudessem expressar sua opinião nas urnas.

Seria bom, ainda que muito rapidamente, recordar que nas primeiras eleições municipais ocorreram escândalos eleitorais, que foram questionadas, inclusive, pela imprensa, porque estavam sendo impostos determinados candidatos em alguns municípios.

Está claro que todas essas eleições também tiveram favorecimento, que se expressou nas viagens do governador Wood pelas distintas províncias, fazendo propaganda em favor de determinados candidatos; ou seja, que a estréia foi realmente muito infeliz, por aqueles que, supunha-se, iam ensinar-nos, durante a ocupação militar, a viver num ambiente de democracia, para aprender a viver en uma república independente.

Naquele momento havia uma multiplicidade de partidos, porque estavam disputando os cargos municipais. Já depois, com a Constituição de 1901, a partir da qual se estabelece o sistema político e o tipo de votação – ou seja, a votação de segundo grau, para senadores, para vice-presidente e presidente, e a votação direta de primeiro grau, para os demais cargos eletivos –, já com esses princípios é que se vão desenrolar as eleições que levarão à reeleição de Tomás Estrada Palma, em 1906; e aqui há , também,outro momento realmente muito difícil, quando se está impondo uma reeleição de maneira fraudulenta, com uma terrível coação, com um chamado gabinete de combate, que vai impor a reeleição de Estrada Palma, o que provoca o levante dos partidários do Partido Liberal naquele momento e, a partir dali, a segunda intervenção norte-americana.

Para não falar de eleição por eleição, eu gostaria de caracterizar um pouco, em sentido geral, esse sistema político e essas maneiras de fazer política que se instauram a partir do início dessa república de 1902.

Vai-se caminhando para um sistema de bipartidarismo. Já em 1905, surge o Partido Liberal, o Partido Moderado vai se conformando, e em 1907 já se constitui propriamente o que virá a ser o Partido Conservador, e vai haver uma alternância entre o Partido Liberal e o Partido Conservador, partidos entre os quais há uma grande mobilidade, posto que pertencer a um ou outro não se define, fundamentalmente, por princípios programáticos e ideológicos, senão por possibilidades eleitorais, e isso faz que exista uma mobilidade interna de um partido ao outro, buscando melhores opções eleitorais, num partido ou outro.

Mas, ademais, instauram-se determinados modos, que estão representados, por exemplo, pelo caudilhismo, a partir de figuras saídas do independentismo, que irão estruturar seu grupo político e uma “clientela” política com a qual funcionarão como caudilhos, e dessa maneira vão mover-se dentro da política cubana e, é claro, isso implica o uso dos cargos públicos. O uso dos cargos públicos para agradar à clientela política, para agradar a familiares e amigos, e para enriquecimento próprio, pois vai ser uma prática cotidiana e, portanto, logicamente, esse sistema de corrupção, a partir desse uso do tesouro público para esse enriquecimento.

Há uma hegemonia dessas figuras saídas, repito, das forças independentistas, que são as que têm mais credibilidade dentro da sociedade cubana e que irão atuar, então, como caudilhos, com essa clientela.

Neste sistema, vamos ter, então, duas reeleições fraudulentas; a primeira, como já mencionei, em 1906, e a segunda é quando Menocal trata de reeleger-se, e se reelege, em 1917, o que provoca um nove levante liberal, que é o levante conhecido como La Chambelona, e aqui eu gostaria de falar um pouco sobre o que caracterizava aquele ambiente.

Aquele ambiente estava caracterizado, primeiro, por toda uma construção simbólica, do povo, identificando aqueles elementos com questões como a “botella” (carona); ou seja, chamar “botella” a esse usufruto de um cargo pelo qual não se trabalha, mas se recebe; ou dos “garrafones”, que é como se começaram a chamar, quando cresceram muito.

Há o símbolo do bode, e, se vemos caricaturas da época, verificamos que há um código que funciona, entre o caricaturista e o público, que sabe que, quando põem um bode em uma caricatura, estão falando de um negócio escuso que o governo está fazendo, para seu enriquecimento.

Há o coeficiente eleitoral, ou seja, buscar a maioria em um processo eleitoral; os mutreteiros; o presunto, isso aparece muito nas caricaturas. O presunto é o símbolo do tesouro público, e agarrar o presunto era agarrar o tesouro público para, exatamente, enriquecer com esse usufruto dos cargos governamentais que permitiam agarrar o presunto.

Muitas figuras haviam surgido na independência e haviam tido prestígio, como é o caso de José Miguel Gómez, um homem das três guerras, um homem com prestígio nas guerras e que, sem dúvida, quando entra na política e adota esses modos de fazer política, deixa de ser o general José Miguel Gómez para converter-se, simplesmente, no Tubarão.

Randy Alonso – O tubarão que se banha, mas salpica.

Francisca López – Primeiro era apenas tubarão, e quando começa a repartir, então isso se estende a dizer tubarão que se banha, mas salpica.

Menocal começa a ser O Maioral. Zayas é o Chino Zayas ou O Vintém. Ou seja, o povo cria suas próprias construções, que identificam esses modos de fazer política, esses elementos que estão dentro da corrupção dessa política republicana.

Por exemplo, a reeleição de Menocal, no ano de 1917, foi chamada pelo povo de Falsificação do toco da vela, porque tinham apagado as luzes na Secretaria de Governo, para ali fazer a falsificação dos votos à luz de uma vela; mas. como todo mundo soube, chamaram de Falsificação do toco da vela. Ou seja, esse tipo de desgaste da corrupção era parte de toda uma simbologia que também representava um repúdio a ela.

Depois do processo revolucionário dos anos trinta, há o fim do bipartidarismo. Realmente, já há então uma multiplicidade de partidos, que vão funcionar nas disputas eleitorais através de alianças ou coalizões eleitorais, e essas alianças, como veremos uma vez mais, não estão baseadas em identidades ideológicas, em identidades programáticas, e creio que um exemplo muito claro disso é a Aliança Autêntico-Republicana, do ano 1944 e do ano 1948.

O Partido Republicano é o partido que se reconhece como o partido que as direitas em Cuba necessitavam, e, por outro lado, o autenticismo é a grande esperança popular, e se faz uma aliança eleitoral simplesmente para garantir o triunfo eleitoral em 1944 e em 1948, como de fato ocorreu.

A partir daí, embora exista uma multiplicidade de partidos, eles vão funcionar dessa maneira, vão desgastar-se de novo; repete-se um pouco a história do desgaste pela corrupção, da incapacidade para resolver a crise do sistema – de que na mesa de ontem se falou, que começa a expressar-se a partir dos anos vinte, e que vai provocar realmente um nível de mobilização da consciência cívica, em minha opinião, muito importante para rechaçar esses modos de fazer política que se instauraram com a república e que estão sempre em torno desses elementos de corrupção, de compra de votos, de fraudes eleitorais e de uso dos cargos públicos em benefício dos próprios governantes, de amigos, parentes e de clientela política.

Randy Alonso – Muito obrigado, professora, por sua explicação.

(Projetam vídeo.)

Escutando o discurso do presidente Bush, vendo-os ali reunidos, vendo, naquela mesa, personagens tão funestos, dos anos cinqüenta, como o senhor Rafael Díaz-Balart, percebemos claramente que o modelo eleitoral e democrático que o presidente Bush estava propondo a Cuba era, sem dúvida, o dos anos cinqüenta, aquele que havia sido trazido pela mão da ditadura de Fulgencio Batista.

Como foram as eleições dos anos cinqüenta? Que continuidade foi dada àquele modelo implantado, como dizia a professora, desde a ocupação militar, e desenvolvido depois, a partir da república de 20 de maio?

Sobre essa etapa, proponho que nos fale o professor Arnaldo Silva.

Arnaldo Silva – Bem, Randy. A década de 50 é testemunha do sepultamento daquela democracia burguesa e de todo aquele sistema político em que se assentou a dominação imperialista e a exploração capitalista do país.

É preciso dizer – e creio que o disse numa mesa-redonda, em uma ocasião anterior – que não foi a Revolução que enterrou aquela democracia, mas a ditadura de Batista; a Revolução teve a clareza e a virtude de não permitir que ela ressuscitasse.

A primeira coisa que faz Batista, ao dar o golpe de Estado, em 10 de março de 1952, e suspender todo o processo constitucional que se havia seguido no país desde o ano de 1940, foi derrogar a Constituição de 1940 e substituí-la por alguns estatutos constitucionais que, entre outras coisas, suprimiam a autonomia das províncias e dos municípios, o que lhe permitiu, por decreto, entre outras coisas, substituir por outros todos os prefeitos e governadores que não juraram os Estatutos, o que simplesmente não era conveniente à ditadura.

As primeiras eleições ocorrem em primeiro de novembro de 1954, e têm o objetivo de disfarçar aquela ditadura, de governo constitucional livremente eleito pelo povo. Essas foram eleições multipartidaristas. Participaram cinco partidos; quatro se agruparam na Coalizão Progressista Nacional: o Partido Ação Progressista – dirigido pelo próprio Batista –, liberais, conservadores e republicanos, que postulavam a Batista como presidente. Grau San Martín havia inscrito para as eleições o Partido Revolucionário Cubano Autêntico, provocando a ira de Prío, Tony Varona, Aureliano e outras velhas figuras autênticas, já que Grau havia sido expulso do Partido Autêntico anteriormente. Portanto temos cinco partidos e dois candidatos, naquelas eleições.

As irregularidades cometidas foram de tal natureza, que Grau solicitou à Junta Eleitoral Nacional o adiamento das eleições, o que a Junta, sob pressão de Batista, não aceitou, e no dia anterior às eleições, no dia 31 de outubro, Grau retira sua candidatura, e, portanto, celebram-se eleições com candidato único. Obviamente, Batista ganhou as eleições; ou seja, daí em diante, Batista seria, supostamente, um presidente democraticamente eleito, em eleições livres e, ademais, multipartidaristas.

As segundas eleições têm lugar em outro contexto, completamente diferente. Celebram-se em 3 de novembro de 1958, quando o triunfo das forças revolucionárias já era iminente e inevitável. Eleições, é claro, iguais às anteriores, mas, ainda mais, nessa ocasião, com uma abstenção extraordinária. As eleições não interessavam em absolutamente nada ao povo; o povo já estava ansioso pelo triunfo das armas rebeldes, sobretudo do Exército Rebelde, chefiado  por Fidel.

Essas eleições são ainda mais multipartidaristas, porque participam sete partidos e quatro candidatos: a Coalizão Progressista Nacional, com os mesmos partidos de antes, que tem como candidato Andrés Rivero Agüero, que se havia convertido em um testa-de-ferro de Batista.

Randy Alonso – E era seu candidato nessas eleições.

Arnaldo Silva – E era seu candidato para essas eleições; ou seja, para dar continuidade a um batistato sem Batista.

Havia Grau, que tinha apresentado novamente o Partido Revolucionário Cubano para as eleições. Um testa-de-ferro de Batista, Alberto Salas Amaro, criou um partido chamado Partido União Cubana e o postulou também nessas eleições; e Carlos Márquez Sterling, que anos antes se separara da ortodoxia e havia fundado um partido que se chamou Partido do Povo Livre: quatro candidatos, sete partidos. Ganhou o candidato oficial do governo, Andrés Rivero Agüero.

Vejamos algumas questões em relação à honestidade e à honradez dessas eleições, mas a partir de figuras das quais ninguém pode supor a mínima identificação com o socialismo, nem nada assim.

O primeiro protesto por aquilo – é claro que um protesto dissimulado – consta em um livro escrito pelo embaixador norte-americano em Cuba naqueles anos, Earl Smith. Esse livro se chama O quarto andar e esclarece muito bem as relações do governo dos Estados Unidos com Batista, durante o tempo em que foi embaixador. Há coisas muito interessantes, vejamos o que diz Earl Smith nesse livro:

“O último erro de Batista foi descumprir a solene promessa que me fizera de manter eleições livres e abertas, aceitáveis para o povo.

“Se o candidato escolhido de Batista tivesse perdido, e se a eleição tivesse sido aceitável para o povo, ainda teria sido possível uma solução pacífica”, segundo ele.

“Como resultado das eleições, perdeu os seguidores que ainda tinha. O povo estava agora completamente desiludido e em desacordo. Embora estivesse contra, havia esperado até o final, buscava por meio das eleições uma alternativa para a violência e a guerra civil.” Já sabemos que o povo buscava uma solução mediante a guerra revolucionária e não mediante as eleições, mas este é seu ponto de vista.

“Se o doutor Márquez Sterling tivesse ganhado as eleições, teria desviado Castro de seu alegado objetivo de livrar Cuba de Batista.”

É evidente, por todas as questões levantadas pelo livro, que o candidato da embaixada norte-americana, do Departamento de Estado era Márquez Sterling.

Os Estados Unidos viam naquele ato eleitoral uma espécie de passe de mágica, de onde sairia uma solução, que era uma das alternativas; ou seja, se Márquez Starling ganha, há um retorno ao 9 de março, Já não há ditador, já não há ditadura e, portanto, não há nenhuma razão para manter a luta revolucionária nas montanhas de Cuba, nas cidades de Cuba, etc.

Mas vamos ver o que diz a esse respeito um dos mais altos funcionários do governo de Batista, que no ano de 1971 publicou em Miami um livro que se chama História do Partido Comunista de Cuba – refere-se ao antigo Partido Comunista –, Jorge García Montes.

Jorge García Montes desempenhou importantes cargos no governo e foi, entre 24 de fevereiro de 1955, quando Batista tomou posse naquelas eleições, e os primeiros dias de janeiro, o primeiro ministro do governo. Vamos ver o que diz com respeito a ambas as eleições.

Com respeito às eleições de 1954, diz:

“Apesar disso, o governo ofereceu evidências de que estava resolvido a ganhar as eleições de qualquer maneira. O doutor Grau pediu então o adiamento das eleições; o Tribunal Superior Eleitoral não o atendeu e optou por se omitir, motivo pelo qual o governo ganhou sem a menor dificuldade.

“O resultado das eleições desalentou a muitos partidários da tese eleitoralista, e inclusive alguns membros do governo exteriorizaram sua irritação por certas fraudes cometidas sem necessidade, apenas com o objetivo de beneficiar a determinados candidatos respaldados pelos comandos militares.”

E, com respeito às eleições de 1958, diz o seguinte:

“As eleições se realizaram em um tormentoso ambiente de paixões violentas. O governo, decidido a ganhar, não olhou os meios. O sufrágio eleitoral foi canalizado pela panelada (‘pucherazo’)” – uma das formas como se chamava às fraudes eleitorais. “O governo ganhou, como conseqüência de um afã absurdo por aumentar, de qualquer maneira, o número de votantes. Foram eleitos uns tantos candidatos frívolos, desses que vivem no melhor dos mundos e não sabiam nem pronunciar uma palavra em público.” Isso – repito – foi dito por alguém que desempenhou cargos muito altos, na ditadura de Batista.

Estas são as eleições que nos propõem: “democráticas”, “livres”, “multipartidaristas”, de “muitos candidatos”, e que estão contidas, inclusive, na Lei Helms-Burton, no Capítulo II, Seção 205, onde se diz: “Requisitos e fatores para determinar a existência de um governo de transição” – supõe-se de transição ao capitalismo, dependente e neocolonial.

Diz: “Para os fins desta lei, um governo de transição em Cuba é um governo que tenha legalizado todas as atividades políticas, tenha expressado publicamente seu compromisso de organizar eleições livres e justas para um novo governo, com a participação de múltiplos partidos políticos independentes.”

E no inciso 206: “Requisitos para determinar a existência de um governo eleito democraticamente”, diz: “Que emane de eleições livres e imparciais, em que todos os partidos tenham disposto de tempo suficiente para se organizar e realizar suas campanhas eleitorais por meio dos meios de imprensa.”

Ou seja, que estas são as eleições às quais somos convocados pelo senhor Bush, em seu recente discurso de 20 de maio em Miami.

Randy Alonso – “O quase choro” – como o senhor dizia –, o roubo dos votos, os coronéis políticos, esse é o modelo eleitoral e democrático que nos propõe o senhor Bush, em seu discurso de 20 de maio.

Muito obrigado, professor.

(Projetam rápidas imagens sobre o tema.)

Randy Alonso – No dia 20 de maio, no coliseu de Miami, disse o senhor Bush, dirigindo-se ao governo da República de Cuba:

“Estou desafiando o governo a fazer eleições livres e justas.” Quão livres e quão justos são os processos eleitorais e o sistema de participação democrática nos Estados Unidos? É a pergunta que faço a Miguel Álvarez.

Miguel Álavrez – Randy, eles se apresentam como portadores de um paradigma que pretendem que seja universalmente aplicado. Eu começaria por apresentar rapidamente um pouquinho de história sobre o sufrágio universal e sobre os direitos dos votantes nos Estados Unidos.

Lembremos que nos primeiros 50 anos, a partir do nascimento daquela nação, somente podiam votar os homens brancos e que possuíssem propriedades; depois veio a Guerra da Secessão, aprovou-se a Emenda número 15 da Constituição daquele país, em que, supostamente, em teoria, aprovava-se o direito dos negros ao voto; e, apesar disso, para ter uma ligeira idéia, em 18 dos 25 estados nortistas – que tinham saído vitoriosos e que, inclusive, se opunham à escravidão –, estava simplesmente proibido que os negros se aproximassem das urnas.

Recordemos que no período que a doutora Paquita explicava, durante a ocupação militar e depois, ensaiavam ensinar-nos o que era um governo democrático, quando as mulheres não tinham direito a voto, que somente em 1920 as mulheres passam a ter o direito de votar. E durante toda aquela época, nos estado do Sul, era simplesmente proibido o voto para os negros; a possibilidade de estender o direito de votar aos cidadãos negros somente se consagra em 1965, quando se aprovou a Ata dos Direitos do Voto – mas no nível de lei, não é um problema resolvido até hoje.

Naquele momento, inclusive, elimina-se o imposto que se cobrava pelo direito do voto, imposto que estava dirigido, fundamentalmente, a privar esses setores de suas possibilidades de exercer esse direito. Uma emenda a essa Ata, do ano de 1970, permite também eliminar as provas de analfabetismo, usadas para ver se a pessoa podia ler e escrever, e é somente no ano de 1970 que se aprova o direito de voto a partir dos 18 anos de idade.

Nessa história resumida, vemos como, ao longo de quase dois séculos, foram-se dando passos, graças às lutas dos setores populares que, em meio a grandes dificuldades, vão arrancando algumas dessas conquistas, mas o problema ainda não está resolvido.

Parece-me que, em relação aos Estados Unidos, há um grupo de mitos que nós simplesmente temos de analisar e tratar de explicar a nosso povo.

Há, por exemplo, o mito da eleição popular. Todo o mundo sabe, a eleição da Flórida é um exemplo disso e certamente o analisaremos posteriormente, que nos Estados Unidos o candidato presidencial não é eleito pelo povo, é eleito por um colégio eleitoral e, neste caso, temos a situação de que há um presidente que não teve a maioria do voto popular e que, ainda assim, foi eleito presidente dos Estados Unidos. Não me estendo nisso, porque sei que vamos abordá-lo posteriormente, mas isso é um de seus mitos, o mito da eleição direta.

Há o mito dos partidos, há o mito do sistema multipartidarista, que na verdade, como você sabe, se reduz a dois, somente dois partidos, mas do que se trata, realmente, é de apenas um partido, o partido das grandes corporações, que exercem a soberania sobre o indivíduo, nos Estados Unidos. Ali há uma ampla base, uma pirâmide, onde mais de 80% dos cidadãos não dão nem um centavo para essas eleições, e onde 1%, que representa essas corporações, é que contribui com as enormes quantidades de dinheiro que se gastam nessas eleições, e que crescem de eleição em eleição – estamos falando de apenas 253.000 pessoas, que são os que na realidade controlam aquele país.

Vou dar um par de exemplos; um é o exemplo, muito conhecido, da coisa da ENRON, essa corporação que caiuna falência. Observe que a ENRON dava dinheiro a 71 senadores, dos 100 que há nos Estados Unidos, e dava dinheiro a 186 representantes da Câmara de Representantes, 43% da Câmara; e o auditor dessa empresa ia ainda mais longe, dava dinheiro a 94, dos 100 membros do Senado, e dava dinheiro a mais da metade da Câmara de Representantes.

Esse é um exemplo que ilustra isto perfeitamente; há outros, da indústria do tabaco, por exemplo. A indústria do tabaco, nos anos entre 1987 e 1997, entregou, para as campanhas eleitorais, entre 30 e 38 milhões de dólares, e no ano de 1997 apareceu uma emenda, que ninguém sabe quem apresentou, que não tem autores, uma emenda que tinha apenas 46 palavras, em uma única oração, e que entregou, à indústria do tabaco nos Estados Unidos, dividendos de 50 bilhões de dólares, por isenção de impostos.

Randy Alonso – Um investimento muito rentável.

Miguel Álvarez – Como você vê, um investimento bem rentável, você entrega 30 milhões aos candidatos e depois, por sua vez, recupera, mas uma quantia muito maior.

Para dar um exemplo tropical, temos o caso, na Flórida, dos Fanjul Gómez Mena, bem conhecidos de nosso povo, um democrata, o outro republicano; o democrata é o presidente do Comitê de Finanças de um dos partidos, Alfi, e o outro, Pepe, é o presidente do Comitê de Finanças do Partido Republicano. Cada um deles entrega 250.000 dólares aos candidatos presidenciais e, por sua vez, recebem em troca benefícios pelos 64 milhões de dólares recebidos, à custa do contribuinte norte-americano, pela indústria do açúcar nos Estados Unidos, que é totalmente subsidiada.

Como você vê, estamos falando de apenas um partido, o partido das corporações, o partido dos que financiam tudo isso, e o partido dos que decidem quem são, realmente, os candidatos, e quem pode exercer o poder.

Há outro mito, que é o mito da suposta competitividade. Há um estudo do Centro para a Política Pública, que diz que, nas duas últimas eleições, havia já cerca de 80 candidatos que não tinham oponentes, ou seja, são candidatos que não têm de esperar o dia 7 de novembro, muito antes disso estão eleitos, porque não têm oponentes, simplesmente pela quantidade de dinheiro, inclusive, que possuem, pois ninguém se arrisca a concorrer com eles.

Nessas eleições que há atualmente, que devem se desenvolver no transcurso deste ano, em novembro deste ano, somente cerca de duas dúzias de contendas são realmente competitivas, porque são contendas em que não estão os ocupantes , ou porque se retiraram do cargo, ou porque faleceu, e então se dá uma eleição aberta.

Randy Alonso – Ou porque não se apresenta à reeleição.

Miguel Álvarez – Ou porque não se apresenta à reeleição. Qual é a essência de tudo isso? 98% dos ocupantes do cargo acabam eleitos, porque são os que recebem mais dinheiro, porque são os que têm uma máquina política que lhes garante continuamente essa reeleição.

Outro mito é o mito da participação. Nos Estados Unidos, há aproximadamente 186 milhões de pessoas em idade eleitoral; desses 186 milhões, inscreveram-se na última eleição 130 milhões, e 56 decidiram, simplesmente, não participar; não falemos dos processos para registrar-se como votante, o que isso exige em termos de requisitos, em termos de tempo despendido para isso e, é claro, sempre é muito mais complicado que exercer diretamente o voto, no dia em que se realiza a eleição.

Randy Alonso – Muitas vezes têm de inscrever-se em dias de trabalho, e as próprias empresas, também, em muitos casos, não lhes permitem fazer a inscrição.

Miguel Álavrez – E, adicionalmente, estão falando de quem tem um trabalho, mas também há os que não têm trabalho e que não se inscrevem, ou porque isso não é facilitado, ou porque simplesmente não acreditam nesse sistema político.

Randy Alonso – Estamos falando de 56 milhões, Miguelito.

Miguel Álvarez – Estamos falando de 56 milhões que não se inscreveram; mas essa não é a cifra total, há 19 milhões que se inscreveram e que depois não votaram. Quando você soma os 56 que não se inscreveram, com os 19 que se inscreveram e não votaram, estamos falando de 75 milhões de pessoas que não exerceram esse voto. Acrescente, a esses 75 milhões, mais 5 milhões de pessoas que exerceram esse direito e cujo voto se perdeu, ou seja, que simplesmente foram depois suprimidos das listas eleitorais ou cujos votos não foram contados. Estamos falando de 80 milhões de pessoas que não participaram das eleições. Mas não é só esse o problema; estamos falando também dos que quiseram participar e não puderam.

Aqui tenho um relatório em que a Comissão de Direitos Civis dos Estados Unidos, analisando, precisamente, as eleições na Flórida e a quantidade de negros que não puderam exercer o voto, ou porque foram retirados das listas eleitorais, ou porque chegavam aos locais de votação e os faziam voltar, não os deixavam passar, ou porque não haviam sido bem ensinados sobre como exercer seu direito de votar.

Observe que na Flórida 11% dos votantes são negros, e, sem dúvida, quando se contam os votos rechaçados, apesar de serem somente 11% dos votantes, eles constituíram 54% dos votos rechaçados. Creio que isso ilustra perfeitamente o que dissemos no princípio, com relação à história, com relação às leis que foram aprovadas no ano 1965, que ainda hoje a questão do voto dos negros nos Estados Unidos não é um problema resolvido.

Temos, como resultado de tudo isso, o enorme nível de abstenção, que traz como conseqüência que vote aproximadamente 50% da população. O que isso quer dizer? Não vou dar o exemplo de Bush, porque todo mundo sabe que Bush foi eleito por um voto, a ele não podemos realmente aplicar os coeficientes de votação em termos de eleitores, ele foi eleito pelo resultado de 5 a 4 na Corte Suprema dos Estados Unidos, que decidiu a eleição a seu favor; mas vejamos o caso do presidente anterior, vejamos o caso de Clinton, que saiu com menos de 49% dos eleitores que votaram. Estamos falando de um presidente dos Estados Unidos que saiu eleito com 24% dos votos dos eleitores, 24,1%.

Randy Alonso – Não chegou sequer a um quarto da população eleitoral norte-americana.

Miguel Álvarez – Eu creio que poderíamos continuar enumerando mitos; mas penso que aí se concentra, em participação, em competitividade, em percentagem de abstenção, na falsidade do suposto voto popular, uma quantidade de exemplos que nos indicam os enormes problemas que têm nesse sentido e como, na realidade, nas eleições norte-americanas, o grande eleitor é precisamente o dinheiro, que é quem exerce esse direito com muito mais freqüência.

Agora mesmo, enquanto todas essas coisas acontecem e continuam acontecendo, com a desculpa da luta antiterrorista, ao mesmo tempo desenvolvem-se sistemas de vigilância dos cidadãos, de monitoração dos movimentos das pessoas, de detenção de imigrantes sem ordem judicial, e são fatores em que se unem, por um lado, uma dificuldade maior para o exercício do voto e, por outro, com essa nova situação, um maior controle da grande massa da população nos Estados Unidos.

Randy Alonso – Esse é um tema muito interessante, que se discute muito hoje na população norte-americano. Hoje, inclusive, havia um relatório de uma organização das chamadas de direitos humanos, que realmente não tem nada de antinorte-americana, pelo contrário, e que fez críticas muito fortes ao controle que depois de 11 de setembro se tem sobre a sociedade norte-americana, e que é, sem dúvida, uma forma de coação da suposta participação democrática dos cidadãos norte-americanos nas eleições e em qualquer processo democrático que se dê naquele país.

Eu lhes proponho ver um exemplo de um material que Taladrid transmitiu domingo em seu programa; creio que vale a pena repeti-lo em nossa mesa-redonda de hoje, para que nosso povo veja como a democracia norte-americana respeita a privacidade e os direitos de seus cidadãos.

Jornalista – Esta noite, “O Olho da América” explora os lugares mais ocultos da guerra do terror. O governo vigia aos americanos comuns. Parece que ocorre algo mais desde o 11 de setembro. Isso ameaça a nossa privacidade e a liberdade de expressão?

John Black, da CBS, esteve próximo aos observadores.

John Black – Isso é algo novo para os americanos: a segurança e a vigilância. Desde intensas checagens nos aeroportos, até o rastreio, pelas autoridades do governo, do uso da Internet; os agentes federais vigiam os cidadãos mais de perto que nunca. Mas a Barry Reingold pareceu-lhe exagerado, quando o FBI se interessou por comentários que ele fez em seu ginásio.

O trabalhador aposentado da companhia telefônica havia criticado em voz alta a guerra no Afeganistão. Poucos dias depois, ele recebeu uma visita inesperada.

Barry Reingold – Eu disse: “Quem está aí?”. E eles responderam: “Somos do FBI”.

John Black – Reingold disse que os agentes queriam saber mais sobre o comentário que ele fez nos vestiários do ginásio. “Alguém nos informou que o senhor havia falado sobre o ocorrido em 11 de setembro, o terrorismo e Afeganistão”.

O FBI insiste em que seus agentes não interrogam as pessoas devido a seu ponto de vista político, mas desde 11 de setembro de 2001, diz o FBI que eles necessitam ampliar a rede, mais que antes, em busca de informação.

Isso ajudou a criar o temor de que o FBI poderia voltar à época de J. Edgar Hoover, quando a agência vigiava os cidadãos que não estavam de acordo com sua política.

O atual diretor do FBI, Robert Mueller, diz que os investigadores atuais são legais e autorizados.

Robert Mueller – Se recebemos uma ameaça, interrogamos a todos que possam informar-nos sobre ela. Quando até um comentário em uma sessão de ginástica origina um interrogatório do FBI, está claro que, de fato, os agentes estão organizando uma ampla rede.

John Black – Kate Rafael, uma ativista da Califórnia, que amiúde participa de manifestações pacifistas, ficou atônita quando um agente do FBI a chamou, indagando por alguns muçulmanos.

Kate Rafael – Se seu trabalho é “caçar” terroristas islâmicos fundamentalistas, então seu trabalho é saber que eles não freqüentam uma lésbica judia de San Francisco.

John Black – Josh Thayer também se surpreendeu.

Josh Thayer – Participar hoje de uma reunião é estressante, se de repente chama o FBI.

John Black – O agente queria saber sobre os sistemas de computação nos meios de comunicação independentes, sobre um site web esquerdista, onde Thayer trabalha voluntariamente como técnico. Você sabe como o FBI encontrou o seu nome?

Josh Thayer – Na verdade, não. Isso é o que mais me assusta. Estão te vigiando, você sabe, como se o que você fizesse fosse secreto.

John Black – Da direita à esquerda, a vigilância do governo, desde o 11 de setembro, aumenta o medo da privacidade.

Bob Barr (republicano) – Nesta esfera, o que sobrou de privacidade é cada vez menor. Toda subtração de privacidade pelo governo se torna mais importante.

John Black – O conservador Bob Barr uniu-se aos democratas liberais para apoiar à nova legislação da privacidade.

A. J. Brown – É liberdade de expressão.

John Black – A estudante universitária A. J. Brown pensou que o governo tinha ido longe demais, quando o Serviço Secreto veio perguntando por uns cartazes, não os de uma manifestação pública, mas os que estão em seu apartamento.

 

Randy Alonso – Bem, assim realmente se respeitam os direitos dos cidadãos norte-americanos. A grande democracia do mundo está constantemente vigiando a seus cidadãos, inclusive dentro de seus próprios apartamentos, para não falar das câmaras que, por todas as cidades, perseguem aos cidadãos para onde quer que se movam. E nesse é que se dá também o processo eleitoral norte-americano, que – como dizia Miguelito – é o processo eleitoral do dinheiro e o processo eleitoral das corporações que fornecem o caudal monetário a um ou outro candidato, segundo a conveniência.

Já em março de 1883, nosso José Martí tinha escrito no diário Las Américas, de Nova York, que nos Estados Unidos “os representantes costumam ser os servos das empresas colossais e opulentas que decidem, com seu imenso peso na hora do voto, a favor ou contra a eleição do candidato”.

Lia hoje, na seção de Cartas ao Editor do diário Seattle Times, editado na cidade de Seattle, duas cartas muito interessantes, enviadas por dois cidadãos daquela cidade ao editor do periódico, e uma delas diz:

“Em eventos recentes, George W. Bush prometeu continuar o prejudicial embargo da economia cubana, até que Fidel Castro realize eleições abertas. Em uma história posterior, observamos que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos está processando o estado da Flórida pelas violações dos direitos de votos, que podem ter inclinado a corrida presidencial norte-americana de 2000 a favor do mais jovem dos Bush.

“Se o Presidente é realmente honesto, no entusiasmo que acaba de mostrar por eleições livres e justas, esperamos ansiosamente que d~e o exemplo. Em que momento, em um futuro imediato, podemos esperar que ele convide o monitoramento internacional a validar sua própria e disputada eleição, de uma vez por todas?” Escreveu Joe Vinikow, de Seattle, ao jornal.

Outro leitor, Doug Nellis, também de Seattle:

“Espere um momento! Acabo de escutar George Bush exigindo que Fidel Castro realize eleições reais, escute as vozes do povo cubano e conte seus votos? E estava na Flórida, quando disse isso? Essa, sim, é boa, George!”

 

Assim escreve Doug Nellis, exatamente hoje, na seção Cartas ao Editor, do Seattle Times, e o que acontece é que é de uma desfaçatez inaudita e de uma hipocrisia sem limite o que dez o presidente Bush neste 20 de maio: falar de fraude, falar de transparência; por outro lado, falar de eleições livres, precisamente na cidade onde se cometeu a mais escandalosa fraude de todos os tempos, nas eleições norte-americanas, na cidade de Miami, e rodeado, além disso, por todos os “capos” que cometeram a fraude.

Creio que se poderia falar muito dessas eleições, se falamos de “democracia à americana”. Mas eu lhes proponho alguns comentários de Rogelio Polanco.

Rogelio Polanco – Bom, tem de ser cara-de-pau, Randy. Para fazer o que fez o presidente Bush lá em Miami, tem de ter coragem – como dizia o companheiro Alarcón, na semana passada, em sua análise dos discursos de Bush em Washington e Miami – para ir falar de corda em casa de enforcado; porque o que fez o presidente Bush, falar de eleições livres precisamente onde ocorreu a escandalosa fraude eleitoral das eleições presidenciais do ano 2000 é algo realmente inaudito.

Recordemos apenas algumas coisas que aconteceram naquela ocasião. Primeiro aquelas felicitações adiantadas feitas a um ou outro candidato vencedor; as cadeias de televisão que deram a um ou outro adiantado, e o verdadeiro escândalo universal que aconteceu naqueles 35 dias sem novo presidente, no país que é a meca da democracia e das eleições no mundo e que tenta impor sua opinião sobre o que é democracia ao resto do planeta.

Foi uma fraude, foi um roubo, o que aconteceu na Flórida. Lembremos aqueles dias de contagens e recontagens, das pessoas olhando as cédulas contra a luz; contando automaticamente ou contando a mão, de novo, aquelas cédulas; a Corte Suprema da Flórida falando de recontagem; o voto que chegava do estrangeiro e que mudava a quantidade de eleitores para um ou outro candidato; as apelações de um e outro candidato à Corte da Flórida e à Corte Suprema dos Estados Unidos; e, finalmente, a intromissão sem precedentes da Corte Suprema, para anular as decisões de recontagem adotadas na Flórida, e depois o insólito ditame de dar, por apenas um voto de diferença, a presidência a Bush, o que mostrou – como se disse naquela ocasião – uma divisão ideológica tremenda na própria corte, que em sua maioria está formada por juízes nomeados pelos setores mais conservadores e que pôs em dúvida, uma vez mais, sua imparcialidade e credibilidade.

O companheiro Miguelito falava, há pouco, do resumo executivo do relatório da Comissão de Direitos Civis dos Estados Unidos, ao qual também se referiu Alarcón há alguns dias, que dizia que o mais sobressaía naquelas eleições foi, precisamente, a quantidade de cidadãos negros a que não se permitiu votar.

No caso da Flórida, naquelas eleições, foram 188.000 novos cidadãos, cidadãos negros, que foram votar pela primeira vez. Ou seja, incrementou-se o número de cidadãos que iam votar pela primeira vez, e sabe-se que esse voto é predominantemente democrata, historicamente é assim, e eles foram fisicamente impedidos de votar, de diversas maneiras: foram impedidos de chegar aos colégios; algumas vezes, foi-lhes pedida uma dupla identificação; em algumas ocasiões, não eram encontrados nas listas; era preciso enfrentar longas filas, que ultrapassavam então a hora em que fechavam os colégios; houve falta de cédulas em alguns lugares; houve atrasos na chegada das urnas em outros, e houve aquele tremendo roubo com as cédulas borboletas, que sabemos como foi feito, de pôr os candidatos em uma ordem que induzia a erro, e votavam em um candidato que não desejavam.

Randy Alonso – Pensando que votavam por Gore, votavam por Buchanan.

Rogelio Polanco – Por Bucahanan, pelo Partido da Reforma.

Em alguns casos, diz-se que nos colégios deram aos eleitores instruções que induziam a votar erroneamente, como aquilo de que era necessário fazer um furo em cada cédula. Se era uma papeleta que tinha duas partes, é evidente que assim também se realizava a fraude, ao se anularem votos favoráveis ao Partido Democrata.

Da mesma maneira, houve muitas evidências, os próprios jornais mencionaram de novo alguns sucessos similares aos que ocorriam em Cuba antes de 1959: mortos que votavam; presos que votavam, o que, no caso dos Estados Unidos, está proibido por lei; votos pelo correio que chegavam alterados, e urnas que apareceram em lugares inauditos, naquela ocasião.

Realmente foi o ridículo que fez que o custo das eleições na Flórida fosse de mais de seis milhões de dólares, entre outras coisas, por tudo o que ocorreu ali, pela contagem e recontagem de mais de 35 dias.

Também se fez disso um grande show. Revisando algumas notícias daqueles dias, lembro-me daquela história do Comissionado do condado de Palm Beach, Aronson, que anunciou, depois de tudo que aconteceu, um leilão público de nada menos que as máquinas de votação, aquelas que provocaram a fraude, ou às quais se atribuiu a culpa pela fraude, pois a fraude já estava feita, e depois disseram que através desse leilão queriam financiar os gastos da eleição.

Um ano depois, vimos outras notícias, que diziam que esse leilão seria feito para investir em um novo sistema computadorizado, automatizado, para as eleições do ano 2004. Bem, esperamos que, este ano, pelo menos se possa encobrir a fraude eletronicamente.

Aquele comissionado também se entusiasmou com o leilão do caminhão que transportou as cédulas de West Palm Beach até Tallahassee, a capital do estado. Recordemos a quantidade de cédulas que foram levadas até a capital. Aquele caminhão passou, de repente, de um valor de 17.000 dólares, para 67.000, só pelo show fictício de o que representavam aquelas eleições fraudulentas.

Um ano depois das eleições, saíram muitos relatórios. Havia um que devia ser apresentado próximo a 11 de setembro, e que se adiou, a partir, supostamente, dos fatos de 11 de setembro, como se adiaram muitas coisas nos Estados Unidos, e foram feitos relatórios por várias entidades independentes, inclusive meios de imprensa.

Eu tenho um aqui, produzido por várias organizações jornalísticas, o Washington Post e outros meios – isso é de 12 de novembro de 2001, ou seja, um ano depois das eleições – que ainda mantinha a dúvida sobre quem tinha sido eleito.

Diz esse relatório que, se fossem feitas as recontagens limitadas pedidas por Gore e pela Corte Suprema da Flórida, Bush ganhava por 225 a 493 votos no estado da Flórida; mas que se fosse feita uma recontagem de todo o estado, então era Gore quem ganhava, por 60 a 171 votos. Ou seja, um ano depois continuavam existindo as dúvidas, nos meios de imprensa e em entidades independentes, sobre quem realmente ganhou as eleições.

Recordo aquele editorial do Granma, “Uma república das bananas”, que dizia que a única forma de saber realmente quem ganhou na Flórida era repetir a eleição, pelo menos para manter aquela ficção de que existia certa democracia nos Estados Unidos; isso não foi feito e, portanto, o presidente não foi eleito, foi designado por aquela Corte Suprema, com uma total falta de credibilidade e legitimidade.

Creio que seria necessário então perguntar a Bush de que eleições livres ele está falando para Cuba, se são essas mesmas eleições que ele não ganhou, e das quais somente com fraude foi possível sair um presidente, 35 dias depois; ou se é da que elege o presidente com menos de um quarto do eleitorado dos Estados Unidos, como foram as últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos; ou se é da eleição que apresentou ao final o paradoxo de que Gore ganhou no voto popular, e Bush, supostamente, o voto dos colégios eleitorais. Um grande paradoxo que continua demonstrando por que aquele sistema eleitoral é amplamente criticado, por obsoleto, antiquado e, além disso, antidemocrático.

Ou se está se referindo às eleições livres finalmente decididas pelo voto dos juízes. Ou aquelas que, diante de uma fraude tão flagrante como a que ocorreu na Flórida, não admitiram observadores internacionais.

Se tivesse sido em um país do Terceiro do Mundo, o fato de estar 35 dias sem que se pudesse saber o que aconteceu, provocaria nada menos que uma invasão, para impor seu candidato pelas armas.

Randy Alonso – Pelo menos teria provocado cortes de investimentos do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, como hoje os Estados Unidos fazem com o Haiti; pelo menos isso, teria provocado.

Claro, o que acontece é que são os Estados Unidos que dirigem o Fundo Monetário Internacional, sabemos disso perfeitamente; no mínimo, teria sido assim, ou, se não, uma invasão como as que já estão acostumados a fazer, em qualquer momento; ou teriam proposto, como fizeram com o Zimbábue, uma condenação na Comissão de Direitos Humanos ao governo do Zimbábue, pelas recentes eleições, tentativa européia e norte-americana que finalmente foi frustrada.

Rogelio Polanco – Essas, Randy, são as eleições livres de que fala o presidente Bush para Cuba, as eleições da liberdade do dinheiro, dos três milhões de dólares que custou o processo das eleições presidenciais, do início ao fim; a liberdade dessa maioria de abstenções, dos dois partidos únicos e do grande partido da abstenção nos Estados Unidos; a liberdade de impedir os negros de votarem; a liberdade da fraude eleitoral.

Queria terminar apenas recordando – como mencionamos naqueles dias – algumas frases desse candidato ilegal que chegou a presidente, nas quais falava sobre a democracia e sobre a estratégia política.

Dizia Bush: “Se não tivermos êxito, corremos o risco de fracassar”. Foi aquela frase histórica de Bush. Ou sobre a democracia, já que estamos falando sobre a verdadeira democracia: “Creio que temos uma tendência irreversível por mais liberdade e democracia, mas isso pode mudar”. Esse é o presidente dos Estados Unidos.

Randy Alonso – Acabam de mandar-me, por correio eletrônico, um artigo do New York Times, com as novas burradas do Bush em seu giro pela Europa; bem, creio que isso seria para outro momento em nossas mesas-redondas.

O que, sim, é verdade é que, como dizia Martí, em 1884, “Na medula, na medula está o vício, em que a vida não tem, nesta terra, maior objetivo que acumular fortuna, em que o poder de votar está nos que não têm a capacidade de votar”. Assim escreveu em 9 de maio de 1884, no Century Magazine.

Já falava, naquela época, sobre as eleições norte-americanas, e isso se vê claramente quando se refere às eleições norte-americanas, mas em especial àquelas eleições que ocorrem em Miami, que são, sem dúvida, a reprodução daquela “chambelona” cubana de antes de 1959. Sobre isso, proponho o comentário de Reinaldo Taladrid.

Reinaldo Taladrid – Sim, Randy, com muito prazer.

Para dizer a verdade, nos dias 20 e 21, eu tinha uma dúvida: o que estavam recomendando, Cuba de 1958, ou Miami de 2002? E pensei um pouco sobre isso.

Há algumas características que quero discutir com vocês, daquelas eleições no condado de Dade, e na cidade de Miami, que é de onde se controla toda a vida política daquele condado.

Por exemplo, os mortos que votam, pessoas que faleceram há muito tempo, técnica e legalmente, e aparecem votando nas eleições para prefeito da cidade de Miami. Ou o seguinte: pessoas do partido majoritário nos Estados Unidos, o partido da abstenção, ou seja, gente que não vai votar, fica em sua casa e um belo dia fica sabendo que, sim, apesar de que eu fiquei em casa e decidi não votar, apareci em uma seção eleitoral, geralmente votando a favor do candidato vencedor. Essas duas coisas são comuns em Miami, e não sou eu que digo, estou repetindo o que disse Xavier Suárez.

Xavier Suárez, prefeito da cidade de Miami, como todos, muito vinculado à Fundação Nacional Cubano-Americana, candidatou-se, enfrentando Joe Carollo, conhecido por todos. Ganhou Xavier Suárez, mas o que aconteceu? Tempos depois, ele teve de deixar o cargo por essas duas coisas que lhes estou dizendo, simplesmente ele ganhou a eleição com os votos dos mortos e dos que se abstiveram de votar. Acontece o escândalo, ele entrega a Prefeitura, que é assumida por Joe Carollo, que eu não preciso dizer o que fez; porque não se trata somente de eleição, mas de todo o sistema político norte-americano. Sim, Xavier Suárez foi embora, mas entrou Carollo, e todos sabemos o que significou.

Vamos apenas à última eleição, de onde saiu o prefeito da cidade de Miami, Manny Díaz, conhecido por todos, um dos advogados dos seqüestradores.

Naquela eleição, essas características explicadas pelo companheiro Álvarez aparecem perfeitamente; votaram menos de 40%, ainda menos que nas presidenciais, ou seja, votaram menos de 40% por qualquer dos candidatos, e Manny Díaz se elegeu prefeito da cidade com menos de 25%; mas veja que curioso! quando você soma os votos dos que não foram votar, dos afronorte-americanos, das outras minorias latino-americanas, etc., esse homem foi eleito prefeito da cidade de Miami tendo contra ele a maioria dos que vivem no condado. Ou seja, Ou seja, pode ser classificado como ditador, no sentido de Roma, um homem que ditava, mas que não havia sido eleito pela maioria das pessoas; mas a maioria não votou ou votou contra Manny Diaz. Isso é em nível local.

Agora, esse câncer faz metástase em nível federal, em nível nacional, e as eleições que acontecem no condado de Miami Dade e na cidade de Miami, para representantes ao Congresso dos Estados Unidos, merecem algumas análises.

Por exemplo, a loba feroz, Ileana Ros, tem uma característica: talvez isso de loba feroz intimide, e ela já vai sem concorrente, ou seja, em um exercício de grande democracia, ninguém se opõe a Ileana Ros, que corre sozinha. E isso não é só por medo, lembrem-se de que, além do medo, ali se necessita dinheiro, e quando você vê que o dinheiro dos poderosos da cidade vai todo para as mãos de Ileana Ros, que vou fazer? Pedir empréstimo? Não me dão. Endividar-me e depois, além de perder, vou ter dívida para pagar? Não. Então, quem decide? Esse é um exemplo de como o dinheiro decide antes mesmo das eleições.

A outra coisa é que, quando alguém ousa dizer que vai se candidatar, ou que pensa candidatar-se contra Ileana Ros, sempre diz a mesma coisa: “Que se preocupe com os problemas do distrito, e deixe de se preocupar com o tema de Cuba”. O que demonstra que não está se preocupando com os problemas do distrito, que, como parte da cidade, apresenta os índices mais altos de pobreza, segundo os padrões norte-americanos: existem muitos problemas de delinqüência, existem muitos problemas no sistema educacional – bom, para ter uma idéia, Demetrio Pérez está a cargo de um dos sistemas educacionais daquela cidade –, existem muitos problemas com as outras minorias latino-americanas e os afronorte-americanos, nenhum desses temas jamais foi abordado em um discurso eleitoral dessa senhora.

Quero deter-me em outro: Lincoln Díaz-Balart, o batistiano perfeito, e não sou eu que digo, podem perguntar. Que algum jornalista qualquer dia lhe pergunte se ele renega a Batista, e ouvirão sua resposta. Já houve uma tentativa por aí, mas seria muito interessante.

No ano de 1998, um advogado norte-americano, Patrick M. Kusack decidiu concorrer ou aspirar ao cargo de Lincoln Díaz-Balart no Congresso. Nós tivemos, há pouco tempo, acesso a pessoas que participaram da campanha desse candidato e que nos autorizaram a contar aqui algumas coisas de como Lincoln Díaz-Balart se elegeu para o Congresso dos Estados Unidos.

Primeiro, vocês viram o problema das cédulas borboletas e aquilo tudo, que não se sabia onde marcar. No caso da eleição de Lincoln, em todos as seções eleitorais daquele distrito, havia gente da equipe de Díaz-Balart. E o que faziam? Quando entravam os chamados velhinhos cubanos, principalmente, eles diziam: “Não se preocupe, meu velho”, e lhe marcavam a cédula. O velho não realizava o ato de votar, mas lhe diziam: “Eu marco pra você”, e lhe marcavam a cédula. Isso aconteceu em todos as seções do distrito, onde pessoas da equipe de um dos candidatos marcavam materialmente a cédula dessas pessoas.

E o que acontecia, como isso podia ocorrer impunemente? Bem, voltamos ao dinheiro. O opositor a Lincoln Díaz-Balart, esse advogado, Patrick Kusack, não pôde ter observadores em nenhuma seção, porque não tinha dinheiro e não podia pagar para ter seus fiscais e, assim, o pessoal do Lincoln dominava as eleições.

Durante a campanha, houve uma coisa muito curiosa, que foi outra violação da lei. Escutem os seguintes personagens: Rafael Díaz-Balart, ministro de Batista; Ileana Ros Lehtinen, Tomás Regalado e Alex Penelas, que fizeram um anúncio – mas não disseram que era um anúncio pago, porque teriam de cumprir determinadas regras –, que transmitiram por La Cubaníssima e pela Rádio Mambí, e o repetiam, e no qual diziam – observem, o prefeito do condado, um comissionado, uma congressista federal e um ministro batistiano – comentavam em público que Patrick Kusak, ao contrário de Lincoln Díaz-Balart, era um tipo “delicado”, e todo mundo sabe que, no jargão daquele condado de Miami Dade, quando você diz “delicado”, a insinuação é de homossexual, não é outra; disseram-lhe comunista comprovado e que tinha as mãos sujas de sangue, por ser comunista e defender a Fidel Castro e seu regime, tinham as mão manchadas pelos aviões de Hermanos al Rescate.

A primeira coisa que quero dizer é que isso é uma violação das normas da Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos, isso não pode ser feito na rádio, nos Estados Unidos; se você o faz em outro estado, possivelmente é processado, vai preso, sua emissora tem de fechar ou terá sérios problemas.

A segunda coisa que quero dizer é que eu tive oportunidade de perguntar à esposa desse candidato o que havia de verdadeiro nisso.

Quem é Patrick Kusack, esse que acusam publicamente de tudo isso? É neto e filho de policiais, é pregador voluntário nas prisões, nos fins de semana, e é advogado de um escritório que se ocupa somente dos assuntos oficiais do exército dos Estados Unidos.

Qual era seu programa de campanha? Disse: Eu não quero que no distrito se fale de Cuba; quero que se fale dos problemas deste distrito, da educação, do emprego, das minorias, dos seguros de saúde e todos esses problemas. Pois Lincoln Díaz-Balart – e isso ele disse em campanha – não trouxe um único centavo do governo federal para este distrito, desde que é representante federal.

Eu lhe perguntei: Em meio a isso tudo, por que esse homem decidiu concorrer com Lincoln? Ela me disse: Bem, veja, é irlandês, é teimoso e quer salvar Miami dessa gente.

Quero terminar dizendo que assim venceu Lincoln sua campanha, assim se elege um representante ao Congresso Federal; e não apenas isso, senão que Lincoln é um delinqüente. Não o digo apenas como um adjetivo, é um qualificativo que corresponde ao fato de que em duas ocasiões sua campanha foi investigada pelo General Accounting Office, um gabinete do Congresso dos Estados Unidos, e nas duas ocasiões encontraram evidências de que havia violado a lei federal e, portanto, havia cometido delitos. Por que razão? Porque ele se “esqueceu” de declarar mais de 100.000 dólares de doações que havia recebido. Ele se esqueceu de declará-lo. Se não fazem a investigação, vocês já imaginam como isso seria repartido. É claro que não aconteceu nada, ninguém processou, ninguém apresentou uma acusação e ninguém fez absolutamente nada.

Talvez seja por isso, Randy, que Bush, ou quem escreveu o discurso, pensou na Cuba de 1958, que tão bem se reproduziu em Miami e se adaptou àquelas condições, e não há dúvida de que o Presidente dos Estados Unidos, quando disse isso em seu discurso, estava pensando no batistiano perfeito, Lincoln Díaz-Balart. Disse Bush: “Quero agradecer a presença aqui de dois excelentes congressistas: Ileana Ros e Lincoln Díaz-Balart”. Esses são os valores que estava vendendo, naquele dia, o Presidente dos Estados Unidos.

Randy Alonso – Obrigado, Taladrid, por seu comentário.

(Passam  rápidas imagens sobre o tema.)

Randy Alonso – Fingindo que não vê tudo isso de que falamos em nossa mesa-redonda de hoje, o que ele sabe perfeitamente bem, já que, de seu quartel-general no Texas, dirigiu a estratégia de roubo das eleições, o presidente Bush foi nada menos que a Miami para em seu discurso dizer, entre outras coisas, que “todas as eleições na Cuba de Castro foram uma fraude; a voz do povo cubano foi sufocada, e seus votos não têm nenhum sentido. Essa é a verdade”.

Proponho então, a partir dessas colocações do presidente Bush, que o professor Toledo aborde como é, em nossa sociedade, o sistema eleitoral, e o sistema de participação democrática de nossos cidadãos, olimpicamente ignorados pelo presidente Bush em seu discurso.

José Luis Toledo – Na manhã de hoje, estava lendo algumas declarações feitas por nosso Comandante-em-Chefe no ano de 1959, em que dizia: “Nunca permitirei conscientemente nenhuma imoralidade”. Esse pensamento do Comandante-em-Chefe traduzia um princípio de nossa sociedade e da Revolução, e era precisamente o que nos levava a rechaçar essa mal chamada democracia representativa, que os governos dos Estados Unidos apregoam como o modelo único, e inclusive condicionante para qualificar de democrático a um Estado. E nos levou também a trabalhar e a buscar um sistema institucional autóctone, que nos permitisse desenvolver uma democracia real e efetiva do povo cubano.

Em Cuba, o conteúdo democrático da sociedade não se esgota em um modo ou em uma maneira de exercício eleitoral, mas compreende uma participação muito mais ampla, sistemática e consubstancial em todos os aspectos da vida social.

Especificamente, nosso sistema eleitoral tem a cidadania como base, é o povo quem escolhe, quem postula, quem elege, quem controla e quem revoga a seus representantes. Essa é a base essencial de nosso sistema eleitoral.

É oportuno destacar também, quanto ao nosso sistema eleitoral, o que a Constituição da República expressa em seu artigo 131 – e vou citá-la:

“Todos os cidadãos com capacidade legal para isso têm direito a intervir na direção do Estado, seja diretamente ou através de seus representantes, eleitos para integrar os Órgãos do Poder Popular, e a participar, com esse objetivo, na forma prevista na lei, de eleições periódicas e de referendos populares, que serão de voto livre, igual e secreto. Cada eleitor tem direito a um só voto.”

De maneira que, em nosso país, a cada dois anos e meio, celebram-se eleições parciais, nas quais são eleitos os delegados às assembléias municipais do Poder Popular e, a cada cinco anos, eleições gerais, em que, além de se elegerem delegados às assembléias municipais, elegem-se delegados provinciais e deputados à Assembléia Nacional.

Como características fundamentais do sistema eleitoral cubano, além das enunciadas, podemos destacar as seguintes: “Inscrição universal automática e gratuita de todos os cidadãos”. Ou seja, desde que um cidadão nosso chega aos 16 anos, automaticamente e sem nenhum tipo de trava, é inscrito em nossos registros eleitorais.

Randy Alonso – Dois anos antes do que vota um cidadão norte-americano e, além disso, sem tantos requisitos legais, ou, inclusive, fictícios que são impostos ao eleitor dos Estados Unidos para que possa inscrever-se.

José Luis Toledo – Lembremos, também, que antes das eleições, em todos os lugares da circunscrição, aos quais nosso povo concorre em massa, divulgam-se as listas eleitorais. Com que objetivo? Com o objetivo de que a cidadania revise sua inclusão na lista e, caso não apareça, a pessoa se dirige imediatamente à Comissão Eleitoral de sua zona, notifica e, mediante a apresentação de seu carnê de identidade, imediatamente é incluída. Mas muito mais, se no dia do exercício eleitoral, não aparece na lista, comparece ao colégio, acredita, mediante a apresentação de seu carnê de identidade, sua condição de cidadão maior de idade residente na zona, inclui-se no listado e exerce o voto. Explico isso, para dar uma idéia de toda a facilidade que se tem, nesse sentido.

O outro aspecto é a postulação dos candidatos pelos próprios eleitores.

Em nenhum momento, em nosso sistema institucional, aparecem partidos, nem o Partido indica quais são as pessoas em quem se deve votar. O nosso Partido, o Partido Comunista de Cuba, não participa na disputa eleitoral, está proibido de fazê-lo, por seus próprios princípios organizacionais.

Quem elege os delegados? Os vizinhos, os próprios vizinhos, em um ato a que são convocados, e levantando a mão, considerando as características relevantes dos companheiros, propõem ali as pessoas que devem integrar a Assembléia Municipal do Poder Popular, que constitui nossa base institucional, e no processo eleitoral se elegem no mínimo dois, até oito em cada circunscrição.

Randy Alonso – E é uma assembléia, Toledo, que tem uma importância extraordinária, porque se reúne no bairro para escolher entre eles uma pessoa que, de fato, se é eleita, já é delegado à Assembléia Municipal, mas, além disso, estão escolhendo uma pessoa que pode vir a ser, inclusive, deputado à Assembléia nacional, porque praticamente 50% de nossa Assembléia são desses delegados eleitos no bairro.

José Luis Toledo – Pode chegar a ser; mas, além disso, Randy, graças a essa forma como se realizam as eleições, está a garantia de que esses cidadãos, depois, mediante seu voto direto e secreto, no dia das eleições, ratifiquem ou não sua aceitação.

Eu trago alguns dados que creio oportunos.

Desde o ano de 1976, ou seja, desde o mandato 1976-1979, que foram as primeiras eleições para delegados às assembléias municipais, desde a instauração dos Órgãos do Poder Popular, foram indicados 277.277 companheiros, e foram eleitos 127.894. Desses 127.894, conforme você apontava, 1.377 foram eleitos deputados à Assembléia Nacional do Poder Popular, representando 51,3% do total dos deputados que teve nossa Assembléia Nacional.

Aqui, estamos falando de companheiros que foram eleitos, duzentos e setenta e sete mil e tantos, mas não foram os únicos, são muitos mais, porque sempre se indica mais de um. Aqui estamos falando dos que foram eleitos. Isso, no mínimo, deve ser multiplicado por dois, e podemos multiplicar, em alguns lugares, até por oito; ou seja, dá um número muito maior de companheiros envolvidos nesse assunto.

Desses companheiros que foram eleitos, 22.376 são operários, 16.416, trabalhadores administrativos ou de serviços, 5.172 camponeses, 1.094 donas-de-casa, 6.793 companheiros de nossas instituições armadas, 3.980 aposentados e, além disso, deles, 24.443 foram jovens estudantes. Desse total, também, 18.126 eram mulheres. Ou seja, esses números evidenciam a presença ativa do povo como ator fundamental do processo eleitoral.

Creio que outro aspecto que seria oportuno destacar aqui, é a participação do povo, porque aqui se falou do grande abstencionismo, dos grandes problemas dos que não podem exercer o voto, etc., etc.

Lázaro Barredo – Antes que você entre nesse dado, deixe-me destacar algo que eu sei que você sabe, mas que me parece importante, e é o fato de que tem de ser eleito com mais de 50% dos votos; ou seja, acontece também a situação de que, se nenhum candidato recebe 50% mais um dos votos, tem de realizar um segundo turno eleitoral, repetir as eleições nesse bairro, nessa mesma circunscrição, e aí o que tenha a votação nominal mais alta é eleito.

Randy Alonso – Não pode acontecer nenhum caso em que alguém seja eleito, como o presidente Bush ou os presidentes norte-americanos, com apenas um quarto do eleitorado naquele distrito ou naquele lugar.

José Luis Toledo – Eu tinha previsto referir-me ao que Lázaro indicou em um momento em que vou falar da total transparência e limpeza das eleições; mas antes quero seguir na direção em que ia.

Quando vemos, nas estatísticas, a participação de eleitores, digamos, nas eleições de delegados às assembléias municipais, desde o ano de 1976 até 2003, para o mandato 2000-2003, que foram as últimas, em nenhum caso houve menos de 95% de participação.

Por exemplo, vou citar os três últimos períodos:

No mandato 1995-1997: Percentagem de eleitores que exerceram o voto: 97,1%, que representam 7.545.821 eleitores.

No mandato 1997-2000: 97,5% de comparecimento às urnas, que representam 7.760.582 eleitores.

No ano 2000-2003: 98,1% de comparecimento, que representam 7.913.112 eleitores nas urnas.

Se buscarmos, também, o processo eleitoral de 1992, em que se elegeram delegados provinciais e deputados à Assembléia nacional, a percentagem de comparecimento às urnas foi de 99,57%, ou seja, das pessoas que exerceram o voto.

Não vemos nosso comparecimento às urnas apenas como um fato de mera participação na disputa eleitoral e no processo eleitoral, senão, inclusive, como um processo de ratificação e apoio ao processo revolucionário.

Outro aspecto que quero destacar, entre as características de nosso processo eleitoral, é a inexistência de campanhas eleitorais, isso todos sabemos. Aqui está proibido que qualquer pessoa faça campanha eleitoral em seu benefício pessoal, essa situação verdadeiramente nauseabunda das multinacionais dando dinheiro para financiar campanhas, de compromissos que, como se demonstrou aqui, vão se realizando e que, inclusive na Cuba anterior ao ano de 1959, era comum ver a cidade totalmente empapelada, de um lado a outro, isso é totalmente inexistente.

A única campanha que há é que, em determinado lugar, coloca-se uma foto e a biografia dos companheiros propostos e nada mais, e, nas eleições gerais, algum percurso organizado pelos companheiros encarregados do processo eleitoral, em que vamos todos os deputados. Aqui há vários que somos deputados e que participamos nesses percursos por locais de trabalho, encontros com a cidadania nas comunidades, visitas a escolas, etc., etc., sem nenhum tipo de referência pessoal a nenhum companheiro.

Outro aspecto é a total transparência e limpeza dos comícios.

Bem, Lázaro já indicava o tema da quantidade de votos que se exige por lei para ser eleito, e a repetição da eleição, se não são alcançados esses níveis de votação pelo candidato.

Mas, além disso, recordemos como se realizam nossas eleições, quem custodia nossas urnas. Quando você vê processos eleitorais em outras partes do mundo, vê-se o exército em estado de alerta, mobilizam-se milhares de soldados, etc., etc.

Quem cuida de nossas urnas? Nossos pioneiros; nossos pioneiros, que participam, aos milhares por todo o país, custodiando nossas urnas.

Quem integra as mesas eleitorais? Os próprios vizinhos da circunscrição.

Como se realiza o escrutínio? Antes de realizar a eleição, a urna é mostrada a todos os vizinhos presentes e depois lacrada; posteriormente, terminado o escrutínio, convoca-se a população a ir ao colégio eleitoral e, diante deles, realiza-se a contagem dos votos e imediatamente se anota em uma cédula anulada, que é colocada na parte exterior do colégio, para conhecimento de toda a população.

Além disso, já destaquei o papel do partido.

Bem, como eu já disse, o exercício democrático não se esgota no ato eleitoral, em nosso país. Algumas características de nosso sistema representativo merecem ser destacadas, estamos obrigados a fazê-lo, e quero fundamentar-me, para isso, no artigo 68 da Constituição da República.

Diz a Constituição da República, em seu artigo 68, “que os órgãos do Estado se integram e desenvolvem sua atividade sobre a base dos princípios da democracia socialista, que se expressam na seguinte regra:

“Todos os órgãos representativos do poder do Estado são eletivos e renováveis.

“As massas populares controlam a atividade dos órgãos estatais, dos deputados, dos delegados e dos funcionários.

“Os eleitos têm o dever de prestar conta de sua atuação, e podem ser depostos de seus cargos em qualquer momento.

“Cada órgão estatal desenvolve amplamente, dentro dos limites de sua competência, a iniciativa encaminhada ao aproveitamento dos recursos e possibilidades locais, e à incorporação das organizações de massa e sociais a sua atividade.

“As disposições dos órgãos estatais superiores são obrigatórias para os inferiores.

“Os órgãos estatais inferiores respondem ante os superiores e lhes prestam conta de sua gestão.

“A liberdade de discussão, o exercício da crítica e autocrítica e a subordinação da minoria à maioria regem todos os órgãos estatais colegiados.”

Aqui quero, então, deter-me um momento, no aspecto da Assembléia Nacional.

Nossa Assembléia Nacional é um órgão unicameral, ou seja, está formada somente por deputados.

Não é um órgão permanente; diferentemente de outros lugares, os deputados não somos profissionais, não recebemos um salário por nossa atividade, é uma atividade totalmente honorífica e que desenvolvemos com muito orgulho e satisfação; inclusive aqueles que ostentamos cargos como presidir uma comissão, etc., etc., nós o fazemos sem receber nenhum tipo de salário.

Todos os deputados prestamos conta de nossa atuação ante a assembléia municipal do Poder Popular que nos nomeou.

Hoje, a Assembléia Nacional do Poder Popular está integrada por 601 deputados. Desses, 27,6%, 166 são mulheres; 189 (31,4%) têm idade entre 18 e 40 anos; 374 (62,2%), entre 41 e 60 anos; e 38 companheiros (6%) têm mais de 60 anos.

Além disso, é preciso destacar que 24,13% dos companheiros que a integram são diretamente vinculados à produção e aos serviços, são trabalhadores deste país; 10,65% encontram-se vinculados a outros tipos de atividades no país, mas o grosso é constituído por companheiros vinculados à produção; e, como você disse também agora há pouco, um número bastante considerável deles são delegados das assembléias municipais do Poder Popular, ou seja, companheiros da base que integram também a Assembléia Nacional.

Mas, como eu disse há pouco, a Assembléia Nacional não é um órgão permanente, pois elege de seu seio um Conselho de Estado, formado por 31 companheiros e que, nos momentos em que ela está suspensa, é o órgão supremo do poder do Estado. Por isso, em uma intervenção que fiz há alguns dias, referi-me ao caso específico do Presidente do Conselho de Estado, mas posso referir-me aos seus 31 integrantes, que são submetidos a dois processos eleitorais: o processo eleitoral para ser eleito deputado e, posteriormente, o processo eleitoral realizado pela Assembléia Nacional, mediante voto direto e secreto, para escolher quem integra o Conselho de Estado.

E aqui há algo que quero destacar: cada um dos deputados da Assembléia Nacional que são eleitos para ela é consultado pela Comissão de Candidatura, em uma entrevista individual, para ouvir sua candidatura, dos que devem integrar o Conselho de Estado, desde o Presidente do Conselho de Estado até um simples membro. Ou seja, cada deputado deve ir a essa entrevista com 31 propostas de quem deve integrar, e daí sai a candidatura proposta.

Por último, quero referir-me ao processo legislativo, como uma expressão cabal da democracia em nosso país, não posso deixar de fazê-lo, embora saiba que o tempo pode ser pouco.

Às vezes, quando a Assembléia Nacional se reúne, algumas pessoas dizem: “Mas eles quase não discutem”. Em outros lugares se vive disso. Há pessoas, que eu conheci, deputados e senadores em outros países, senhores que não ganham três mil ou quatro mil dólares, ganham dez mil, onze mil, vinte mil. Recentemente, em um país da América Latina, houve um grande escândalo, porque é um país que está em uma situação econômica difícil, e o Congresso tomou a esperta decisão de elevar seus salários, um país que conhecemos bem, porque o visitamos freqüentemente.

Em Cuba, quando nos reunimos no Plenário da Assembléia nacional, isso é precedido de um intenso trabalho para conseguir um consenso em relação aos temas que serão discutidos, e trago três exemplos concretos, para que isso não fique apenas na teoria.

Em 13 de julho de 2000, nós aprovamos a Lei dos Conselhos Populares. Quando a Assembléia se reuniu, para aprovar a Lei dos Conselhos Populares, e aqui faço a seguinte análise: nós nunca consideramos o nosso sistema um sistema perfeito, e estudamos continuamente seu melhoramento, seu aperfeiçoamento, para que alcance metas superiores nesta real e efetiva democracia que se deu ao povo de Cuba, e esta é uma das leis que complementam a vida democrática da nação, a Lei dos Conselhos Populares. Quando nos reunimos ali, discutiu-se na Assembléia Nacional e se aprovou a versão número 11; ou seja, que previamente haviam sido discutidos dez projetos de lei.

Primeiramente – tive a oportunidade de falar disso recentemente com o companheiro Cárdenas, que preside a Comissão de Órgãos Locais da Assembléia – reuniram-se com um grupo de peritos das assembléias municipais e provinciais, e assim se elaborou a primeira versão desse projeto dessa lei. Posteriormente, realizaram-se duas reuniões, em cada uma das províncias do país, com os presidentes dos Conselhos Populares de toda a nação. Esses presidentes de Conselhos Populares não eram deputados. Posteriormente, realizou-se uma reunião em cada província, com presidentes de conselhos que eram deputados, e depois foram realizados dois giros, em duas ocasiões distintas, por todo o país, com todos os deputados da nação, analisando esse projeto de lei.

Recolheram-se, durante esse processo que descrevi, 1.600 sugestões e opiniões que foram devidamente analisadas pelo grupo de trabalho que estava encarregado dessa lei; inclusive, muitas delas foram incorporadas.

Outra lei que quero citar é a Lei da Revogação do Mandato dos eleitos aos Órgãos do Poder Popular, a Lei 89, aprovada em 14 de setembro de 1999. Quando fomos aprová-la na Assembléia, o que aprovamos ali foi a versão 21; ou seja, tinha havido previamente 22 Projetos ou Anteprojetos de Lei, que foram submetidos a um processo similar ao que me referi.

Por último, em que está trabalhando a Assembléia atualmente? Estamos trabalhando para levar ao próximo período de sessões ordinárias a Lei das Cooperativas Agropecuárias. E o que se está fazendo com a Lei das Cooperativas Agropecuárias, companheiros? Está-se discutindo, em cada uma das bases camponesas deste país, com cada camponês e com cada família que tem a ver com isto.

O companheiro Lugo informava recentemente, ao Presidente da Assembléia Nacional, já no final desse processo, no momento de apresentar a lei à assembléia, que se realizaram essas reuniões a que me referi em 3.351 cooperativas de produção agropecuária e de créditos e serviços; participaram delas 212.779 cooperativistas e seus familiares, que representam 89% dos que podiam participar, e nelas se apresentaram opiniões e sugestões, que foram recolhidas. Terminou-se aquele processo, e agora começa o processo com os deputados. Este mês já começa um giro por todo o país, para discutir, província por província, com os deputados, o Projeto de Lei. Ou seja, que, quando for definitivamente aprovado pela direção da Assembléia levar essa lei ao próximo período de sessões ordinárias, ela já terá sido discutida, buscando um consenso entre todos os membros da Assembléia.

Mas não são somente os deputados que participam desse processo, recolhem-se opiniões das organizações de massas, são ouvidas as das organizações de peritos, ouvem-se sugestões dos companheiros das universidades, de cientistas, de todos os que, de uma forma ou outra, queiram opinar a respeito. E é um processo similar, talvez um pouco mais reduzido, o realizado pelo Conselho de Estado.

Cada vez que o Conselho de Estado vai aprovar um Decreto-Lei, não o distribui apenas a seus 31 membros e o aprova. Não, não, distribui-se a um amplo espectro da sociedade e se ouvem suas opiniões, discute-se e se volta a fazer circular, até que se encontre um consenso; porque foi sempre o consenso e a presença ativa do povo o que definiu o caminho da institucionalização na Revolução. Por isso, por tudo que ouvi o companheiro Miguel explicar sobre os mitos da democracia norte-americana, e por tudo que argumentei, posso dizer que esse princípio que formou a constituição dos Órgãos do Poder Popular no país, de que o poder do povo, esse sim é um poder, em Cuba isso não é um mito, isso é uma realidade.

Randy Alonso – E, como você dizia, temos um sistema democrático ainda imperfeito, mas que é hoje o mais democrático que existe em uma sociedade desta época, e que permite a participação do povo em todos os seus níveis e em todas as suas ações para a sociedade.

Um exemplo do que é nosso sistema democrático e de como funciona nosso sistema eleitoral são, sem dúvida, os delegados de nossas circunscrições, o poder ali na base, o poder real do povo, e Nuria Cepero nos trouxe esta reportagem de Fidencio Rodríguez Lobaina, o delegado da circunscrição nº 20, em Habana Vieja, que tem 25 anos de trabalho nos órgãos locais do Poder Popular.

Nuria Cepero – Fidencio Rodríguez Lobaina é de origem muito humilde, e nasceu há 68 anos, no município guantanamense de San Antonio del Sur.

Estamos com ele hoje, porque esse homem simples é delegado do Poder Popular da circunscrição nº 20, do município de Habana Vieja. Foram seus vizinhos que o propuseram candidato a delegado, e nas primeiras eleições do Poder Popular, em 1976, elegeram-no para que fosse seu representante, e assim se manteve nos últimos 25 anos.

Fidencio Rodríguez – Ninguém nos colocou para que continuássemos sendo delegado; foi a população que nos elegeu e nos manteve aí até hoje.

Nuria Cepero – Seus próprios eleitores dizem que Fidencio é incansável. Sua circunscrição e o Conselho Popular Plaza Vieja, que preside desde 1995, sabe bem disso. Não há problema que surja nesta complexa zona, que escape a sua dedicação e sensibilidade.

Fidencio Rodríguez – A população confia em nós, e quando existe um problema que não se pode resolver, explica-se por que não se pode resolver. O mais importante é que a população saiba, pelo menos a população concorda que, se você não pode resolver um problema, tem de explicar e dizer a verdade. Sempre tratei, desde que sou delegado, de não esconder nada, nunca dizer uma mentira, dizer sempre o que se pode resolver e o que não se pode resolver.

Nuria Cepero – As pessoas gostam dele?

Funcionário – Nós pensamos que sim. Pensamos assim, porque, todos os anos, é escolhido como delegado, porque é um companheiro que atende a população, e vê os problemas da população como se fossem seus, e é querido pela população porque nunca houve uma dificuldade, dentro das possibilidades – como explicou antes – sempre se busca uma solução para os problemas, em qualquer momento em que a população vem a...

Nuria Cepero – Ele é humano?

Eleitora – É humano, é uma pessoa muito simples, de uma família muito simples. Não vive em condições fáceis.

Eleitora – É uma pessoa muito preocupada com a situação da população, principalmente com a situação de saúde da população. Em relação a nós, que trabalhamos com saúde, ele se ocupa constantemente com as nossas necessidades, da situação dos casos sociais, dos casos que têm qualquer dificuldade.

Eleitora – Muito boa pessoa, muito querido por todo mundo, muito preocupado com todo mundo, e deixa de cuidar de si mesmo, para cuidar dos outros. Disso, sim, eu posso falar.

Nuria Cepero – Fidencio é um dos milhares de delegados que em todo o país foram indicados e eleitos por seus próprios vizinhos. Homens e mulheres para os quais praticamente não existe descanso e cuja recompensa maior é a de serem fiéis defensores dos interesses do povo, que, com sua sabedoria, reconhece onde estão seus verdadeiros representantes.

Randy Alonso – Tudo isso que falamos sobre o nosso sistema eleitoral, sobre nosso sistema de participação democrática da cidadania, sobre um exemplo como o de Fidencio, trabalhador eleito pelo povo para esse mesmo povo, pois foi  ignorado e continua sendo olimpicamente ignorado pelo presidente Bush, que, em suas palavras no auditório de Miami, dizia cinicamente: “Estamos em uma era em que todas as nações de nosso hemisfério escolheram o caminho da democracia, exceto Cuba”.

O que pensam os próprios latino-americanos sobre suas democracias? Essa foi uma pesquisa que se realizou no ano passado, e eu penso que nos apresenta resultados muito interessantes.

 

Jornalista – Apenas um, de cada quatro latino-americanos, sente-se satisfeito com a democracia, e menos da metade a apóia como o melhor sistema político. O número resulta de um estudo realizado em 17 países de nossa região.

Alberto Pando nos informa, de Santiago do Chile.

Alberto Pando (Chile) – A democracia, o governo do povo já não é algo valioso para os latino-americanos. O Latinobarômetro, pesquisa realizada por uma corporação privada em 17 países da região, assim o comprova.

Em 1996, 60% apoiavam a democracia; hoje, apenas 48% declaram preferi-la. O ex-presidente chileno Patricio Aylwin considera isso preocupante.

Patricio Aylwin – Nos países onde existe democracia, os direitos humanos são respeitados, a liberdade das pessoas, a vida das pessoas, a privacidade das pessoas são respeitadas, e nas ditaduras, a verdade é que os direitos humanos são ignorados, e as pessoas desaparecem, ou as pessoas são presas sem justificativa, ou simplesmente assassinadas, como ocorreu no Chile, durante a ditadura.

Alberto Pando – Dizem que a crise econômica e o desprestígio de alguns políticos podem ter provocado essa crise de credibilidade. É também o diagnóstico dos responsáveis pela pesquisa.

Angélica Speich – Desde a implantação da nova democracia, houve uma explosão de expectativas das pessoas que não foram cumpridas e, mais ainda, isso aumenta com a crise econômica e, portanto, esse apoio diminui.

Alberto Pando – A ponto de 51% considerarem que o desenvolvimento econômico é mais importante que a democracia, contra 25% que dizem o contrário.

As instituições em que os latino-americanos menos confiam são o poder judiciário, o parlamento e os partidos políticos.

 

Randy Alonso – Essa é a democracia de que nos fala o presidente Bush, que está implantada hoje em toda a América latina, exceto Cuba, uma democracia em total descrédito, para o sistema e para os partidos políticos.

Sobre isso nos fala Lázaro Barredo.

Lázaro Barredo – Cada vez que se realiza uma reunião de presidentes, digamos a Cúpula das Américas, ou se faz a reunião do Grupo do Rio, sempre se ouve os políticos, sobretudo os governantes norte-americanos, dizerem que está ausente a única nação que não tem democracia. Sempre se tenta diminuir a importância do sistema participativo de Cuba.

Era de se esperar essa opinião do presidente Patricio Aylwin. Se pensarmos bem, já se passaram quarenta anos da Aliança para o Progresso, apoiada pelos Estados Unidos com um orçamento de 20 bilhões de dólares, em valores daquela época, e já passaram 40 anos. Todo aquele esforço foi feito pelos Estados Unidos precisamente para tentar isolar Cuba, para enfrentar o exemplo de Cuba, a alternativa de Cuba, e passaram 40 anos de governos civis e militares, liberais, conservadores, populistas, fascistas, doutrinas desenvolvimentistas, protecionistas e neoliberais, e o resultado é que, 40 anos depois, mais da metade da população latino-americana vive na pobreza e com uma visível tendência à marginalização política e democrática.

Na “Suíça da América Central”, que recém acaba de realizar eleições, Costa Rica – e que é a de menor abstencionismo na América Latina –, 44% da população não foi votar; nos demais países, é de 50%, 60%, porque as pessoas não vêem a utilidade da política em suas vidas.

Tenho aqui muitas declarações dos próprios costa-riquenses, que explicavam porque não iam votar; porque, dizem, não vão favorecer o incremento da corrupção de seus governantes, não confiam em seus governantes, as pessoas não acreditam nos partidos políticos, não acreditam nas instituições políticas da América Latina. Essa é a grande decepção. Por isso, o que acontece nos Estados Unidos é o que vem acontecendo na América Latina: grandes capitais influindo sobre as campanhas, tratando de motivar as pessoas; campanhas em que, na verdade – é uma coisa incrível –, todo o discurso político se baseia em um discurso contra o neoliberalismo e, depois que as pessoas são eleitas presidentes desses países, o que fazem é aplicar mais neoliberalismo. Isso é o que ocorreu, e não é apenas o abstencionismo, não é só dizer que o maior partido da América Latina é o partido da abstenção, senão também, depois, a perda da popularidade desses presidentes, a maneira como as pessoas não acreditam neles, como acontece hoje com Alejandro Toledo, em quem mais de dois terços da população peruana não acredita, não têm confiança no que ele está fazendo; ou que acontece com o presidente Fox – quase 65% das pessoas mostram, nas últimas pesquisas, ceticismo em relação ao que ele está fazendo; é o que acontece com a senhora Moscoso, no Panamá, em cujo governo mais de 50% da população não acredita. Nem falar de Duhalde, nem falar do divertido Battle, o uruguaio – as pessoas de seu país não têm nenhuma perspectiva, não sabem, dormem todos os dias com a incerteza sobre o que vai acontecer no dia seguinte; e nem falar de outros , como o “sopro de ar fresco” que governa aquela republiqueta centro-americana.

Francamente, o que causa mais indignação é ver como essa gente usa a palavra democracia, uma permanente verborréia em seus discursos retóricos, e depois tomam todas as decisões fundamentais sem consultar ninguém.

Menem – apenas para mencionar um exemplo –, em uma tarde, mudou todo o panorama econômico da Argentina, assinando a privatização.

Não consultam os parlamentos para nada, nem mesmo para manter as aparências. Acabamos de ver um exemplo agora, quando, na votação na Comissão de Direitos Humanos, o Congresso do México se opôs a esse voto, o Congresso do Peru se opôs a esse voto, o Congresso da Argentina se opôs a esse voto, e os presidentes ignoraram.

Nas decisões de grande transcendência não consultam a ninguém, quando, por acaso, consultam, é ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial, que são os que estão estabelecendo as pautas do que devem fazer. Esses são os grandes clientes, daí surge o grande clientelismo que existe na política latino-americana.

Finalmente, o mais indigno, passam todo o tempo falando ou, pelo menos, recomendando a outros fazer referendos, e não se atrevem, de jeito nenhum, a consultar em referendo as barbaridades que estão fazendo, como a privatização do petróleo, dos bancos, dos serviços, a entrega de suas nações, que não submetem a referendos de seus povos.

Há um neo-autoritarismo na América Latina, uma nova espécie de governo, ao estilo dos militares, em muitos desses personagens que permanentemente estão falando de democracia.

Para terminar, creio, realmente, que o que se está estabelecendo na América Latina não é apenas a doutrina do novo monroísmo, mas uma nova Emenda Platt para a América Latina, e o protesto contra essa Emenda Platt é o que vimos na cena da deputada no Congresso, na Câmara de Deputados da Argentina, quando pediu que mudassem a bandeira nacional e pediu que pusessem outra bandeira, a bandeira das listras e estrelas, eu creio que isso resume o que está acontecendo em nosso continente.

Randy Alonso – É a democracia proposta pelo senhor Bush, essa combinação da Cuba dos anos cinqüenta com América Latina de hoje, na qual o partido mais importante é o partido da abstenção eleitoral. As pessoas não acreditam nos partidos, e não crêem nos políticos.

Um exemplo desse descrédito é o que aconteceu no Peru.

 

Jornalista – Muitos peruanos querem demonstrar ao presidente Alejandro Toledo que não o querem, porque não cumpriu muitas de suas promessas de campanha. As pesquisas não o favorecem e, quando aparece em atos públicos, gritam, vaiam e até ameaçam agredi-lo.

María L. Martínez – Está apenas há 11 meses no poder, e Alejandro Toledo já enfrenta a impopularidade e o desencanto da população – que voltou a vaiá-lo em uma de suas atividades públicas –, e teve de ser protegido para voltar ao carro; embora seus defensores acusem a oposição de estar por trás das manifestações na rua, as pessoas acusam-no de não cumprir suas promessas e pedem trabalho aos gritos.

Cidadão – E que não prometa, não prometa, não prometa.

Cidadão – O povo quer trabalho.

Cidadão – Não prometa, não existe trabalho, irmão. Por isso as pessoas não reclamam.

Cidadão – O povo o repudia por muitas coisas; primeiramente, porque não há trabalho; em segundo lugar, na campanha passada, ele fez muitas promessas.

Cidadã – Trabalho é a única coisa que queremos, trabalho, nada mais; não queremos outra coisa.

Cidadão – E desde que ele entrou no governo, há pouco tempo, todas as empresas estão na falência.

María L. Martínez – Toledo não quis falar sobre a queda constante nos índices de sua popularidade, que, segundo a empresa Analistas e Consultores, está em apenas 23%.

Os analistas reconhecem que é muito cedo para julgar sua gestão, porém vários estão de acordo em que seu programa econômico precisa de ajustes.

O descontentamento acumulado reflete-se nas ruas e nos constantes protestos, em várias cidades do país.

O efeito da visita de Bush, que melhorou a imagem de Toledo, foi rapidíssimo.

O governo pede paciência, para que se possa sentir os efeitos do plano econômico, que foi qualificado de estável pelas agências qualificadoras de risco.

 

Randy Alonso – Esse é o exemplo do que acontece na América Latina, é o exemplo, também, daquilo a que nos querem conduzir as lições do senhor Bush, que não entende, ademais, que a democracia vai muito além do próprio ato do processo eleitoral. Sobre isso, proponho a Renato Recio fazer o comentário final.

Renato Recio – Na realidade, Bush – como se disse aqui tantas vezes – não deveria falar da democracia, uma pessoa que ocupa a presidência de forma ilegítima; mas também não deveria falar da tradição dos governos norte-americanos muito anteriores ao dele, porque, se repassamos a história, vamos encontrar, como uma coisa comum, a contradição entre o discurso das “eleições livres” e a prática que nega essas mesmas eleições.

Por exemplo, vamos partir de uma idéia: os Estados Unidos manipulou com muita freqüência, sabotou e impediu essas mesmas “eleições livres”, quando não lhe convinha, em qualquer país, principalmente do Terceiro Mundo. Isto se viu muitas vezes.

Num livro escrito em 1963, o ex-presidente norte-americano Dwight Eisenhower reconhece que seu governo, seu próprio governo, obstruiu as eleições de 1956 no Vietnã, porque era previsível que 80% da população votaria em Ho Chi Minh, e não no candidato títere que a França estava impondo ali, chamado Bao-Dai.

Em segundo lugar – e isto é outra prática que é extremamente irritante –, os governos norte-americanos não toleram, não podem tolerar os governos populares que surgem de “eleições livres”, como eles recomendam. Existem muitos exemplos, vamos recordar o caso de Jacobo Arbenz, na Guatemala, em 1954; o caso de Salvador Allende, muito notório, em 1973; o processo sandinista dos anos 80, e, mais recentemente, todos têm claro que Hugo Chávez está sendo bombardeado com todos os recursos do poder norte-americano, para que seu governo acabe; apoiaram o golpe, todo mundo se lembra disso, e creio que não houve, na história, presidente mais eleito, mais submetido a sufrágio que Hugo Chávez; mas aí se vê o padrão de dois pesos e duas medidas, é a utilização oportunista desse conceito de “eleições livres”.

Em terceiro lugar, os governos dos Estados Unidos apoiaram, sem pudor, todo tipo de farsas eleitorais, quando ocorreram em um país onde lhe interessava o governo que usou a farsa eleitoral, usou as bandalheiras e todas essas coisas.

Na Cuba republicana, ou pseudo-republicana, houve um grande número de casos, como houve também no Panamá, na República Dominicana, em El Salvador, enfim, é uma lista interminável de países.

Creio que isso já desacredita o conceito de “eleições livres” que nos propõe Bush; além disso, creio que o povo cubano, culto, preparado, informado, não aceitará que o conceito de eleições e o conceito de democracia sejam equiparáveis. Ou seja, consideramos o valor do sufrágio como um elemento importante do conceito de democracia, mas comparecer a eleições periódicas, depositar o voto na urna não é, nem remotamente, como creio que Toledo já disse, só isso não é a democracia.

Os cubanos sabem que eleições com a metade ou menos dos eleitores exercendo o voto não podem ser consideradas democráticas; governos eleitos – como se disse aqui – com 25% ou 30% ou às vezes menos do total do eleitorado, não podem ser considerados democráticos; não podem ser considerados participantes de uma verdadeira democracia, os eleitores analfabetos totais ou funcionais, que chegam a ser 20% ou 30% do eleitorado, como constantemente se vê em países empobrecidos por esse mesmo sistema que propõe esse tipo de eleições.

Os eleitores não podem, após o sufrágio, exercer o mínimo controle – diariamente vemos pesquisas que dizem que os eleitores já não têm nenhuma simpatia pelo mesmo governante em quem havia votado alguns meses antes –, não têm nenhum meio para exigir que faça o que prometeu. Não há prestação de contas, não há possibilidade de mudar um governante, exigir-lhe responsabilidade. Neste momento de neoliberalismo extremado, os governantes já declaram abertamente que não são responsáveis pelas coisas mais importantes, pelas coisas que fazem sofrer, que maltratam as populações, como isso que apareceu aí dos peruanos, que falavam do emprego, emprego, emprego. Bem, um governante de hoje, quando lhe dizem: “O desemprego está subindo de uma maneira criminosa, e os salários, caindo”, esse governante diz: “Não, não somos responsáveis por isso, é o comércio que está caindo, não existem oportunidades para nós”.

Quando a mortalidade infantil aumenta, por exemplo, um governante pode dizer: “Não, eu não tenho culpa disso, isso acontece porque os pobres não têm educação sexual e se reproduzem sem controle”.

Há países onde existem exércitos paramilitares, ou seja, gente que assassina, que reprime e que não está oficialmente vinculada aos governos, então o governo diz: “Não, isso não é assunto meu, isso não é do Estado, isso não é do meu governo”. Isso é uma constante.

A idéia de eleições livres e democracia chegou ao cúmulo de que os governos já não se sentem responsáveis, e se declaram irresponsáveis: é o Fundo Monetário, é a globalização do jeito que está, esse tipo de coisas.

Eu creio que a proposta, que não é uma proposta, é, como dizia Randy no começo, uma exigência, quando Bush exige que nós, cubanos, façamos esse tipo de eleições, que ele chama e que chamam de eleições livres, o que está querendo realmente é a rendição incondicional do povo cubano àquela potência hegemônica. Creio que Bush deveria saber – e se Bush não sabe, muitos deles devem saber, e se não sabia até agora, que aprenda definitivamente – que os cubanos não temos o menor interesse em render-nos, e em utilizar ou praticar ou acreditar nessa falsa livre democracia que ele nos propõe.

Randy Alonso – Obrigado por seu comentário, Renato. Obrigado também aos demais comentaristas que me acompanharam na tarde de hoje e aos convidados que estiveram conosco no estúdio.

Compatriotas:

Com total desfaçatez e cinismo, o presidente Bush foi a nada menos que à Flórida, em 20 de maio, para tentar dar lições aos cubanos sobre eleições livres, transparentes e supostamente democráticas. Carente de qualquer escrúpulo e da mais elementar dignidade, o senhor Bush se proclamou campeão e mestre da democracia, em um auditório de Miami, rodeado da máfia terrorista anticubana, que o ajudou a roubar, de maneira inaudita e escandalosa, as eleições norte-americanas de 2000, como a “chambelona” eleitoral de Cuba, antes de 1959.

Não houve uma linha sequer, na “lição democrática” do discurso de Bush, para os 56 milhões de norte-americanos que não votaram nas eleições passadas; para os 19 milhões que, inscritos, não foram votar no dia do sufrágio; para os cinco milhões de cidadãos cujos votos desapareceram; para os eleitores negros que foram impedidos de votar; para os milhões que votaram em um candidato que obteve maioria popular e despertaram um mês depois da eleição com a notícia de que o voto de cinco juízes havia colocado na Presidência o outro candidato.

O senhor Bush também não disse que as últimas eleições estadunidenses foram as mais multimilionárias da história daquele país, com as mais exorbitantes somas de dinheiro, que provinham quase totalmente de 1% da população, dono das grandes corporações, que são depois os maiores beneficiários da ação política de senadores, deputados e membros da administração.

O senhor Bush omitiu, em suas cínicas palavras, que enquanto ele foi nomeado após um processo em que votou apenas a metade dos eleitores, no último processo eleitoral cubano, foram às urnas 98,1% dos cidadãos em idade de votar.

O mandatário norte-americano não mencionou que, longe dos desperdícios milionários, nos processos eleitorais cubanos não há gastos, além daqueles para o funcionamento das comissões eleitorais e a impressão das cédulas; não existem golpes baixos e sujos entre candidatos, não há discriminação de voto por cor ou procedência, não há nenhum requisito financeiro para ser indicado como candidato, mas prevalecem os méritos dos propostos.

O senhor Bush não disse que, enquanto as eleições nos Estados Unidos são um circo de milionários, em Cuba o poder supremo, sua Assembléia Nacional, está composto por trabalhadores, camponeses, estudantes, cientistas, professores, artistas, delegados de base.

Enfim, senhor Bush, guarde suas lições onde queira. Nós, cubanos, aprendemos a conquistar e a defender nossos direitos já há quarenta anos, quando Martí nos indicou o caminho, com seu ensinamento de que “o melhor modo de defender nossos direitos é conhecê-los bem; assim se tem fé e força. Toda nação será infeliz enquanto não eduque a todos os seus filhos”.

No caminho da educação e da justiça, nós, cubanos, erguemos nossa imperfeita, mas autêntica e verdadeira, democracia.

Seguimos em combate!

Muito boa noite.